A atualidade do encontro de Assis

Guilherme d’Oliveira Martins

Há vinte e cinco anos, a 27 de outubro de 1986, teve lugar, por iniciativa de João Paulo II, o Encontro de Assis no qual o Papa se reuniu com representantes das Igrejas Cristãs, das Comunidades Eclesiais e das Religiões do mundo em nome da Paz, tendo afirmado na circunstância, com S. Paulo, que a Paz tem de ser encontrada em Jesus Cristo – «paz para aqueles que estáveis longe e paz para os que estavam perto» (Ef. 2, 17) – Ele que foi saudado ao nascer pelo cântico dos anjos: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados». Hoje, o tema da Paz mantém a sua atualidade e tornou-se porventura ainda mais premente. E o diálogo entre as culturas e as religiões é uma das chaves para superarmos a grave situação internacional em que vivemos. Nos últimos anos, sinais inquietantes manifestaram-se – desde a violência à crise financeira, das desigualdades à exclusão. Estão esquecidas as propostas de João XXIII em «Pacem in Terris» e a afirmação de Paulo VI de que o «desenvolvimento é o novo nome da paz»

E devemos recordar, como o Concílio Vaticano II reafirmou, que é a historicidade humana que determina a histori-cidade da Salvação. Daí a importância do conceito enriquecido teologicamente de “sinais do tempo” – como salientou exemplarmente D. José Policarpo. Afinal, a Salvação objetiva-se na História, havendo uma história específica de Salvação no meio da história dos homens e um especial sentido salvífico no tempo depois de Cristo. De facto, a partir da Encarnação de Cristo, a história da Salvação integra e interpreta toda a história profana, sendo o tempo presente o do crescimento do Reino de Cristo, que tem a ver com os sinais dos tempos, na aceção do Concílio e na dimensão escatológica do tempo presente. Daí as responsabilidades de todos relativamente à justiça e à paz. Na feliz expressão do historiador Henri-Irénée Marrou: «A ação terrestre do homem faz mais do que dar sentido, leva já no mais fundo de si mesma os valores que, irradiando para fora do tempo, encontraram o seu lugar garantido na casa do Pai». E ainda Marrou, como E. Schillebeeckx, afirma que «a esperança cristã sabe que esta possibilidade (de alcançar um mundo melhor) é dada ao homem como uma graça e, por isso, o cristão vive na fé, consciente de que não é em vão o seu empenhamento por uma melhor ordem temporal, embora não veja como é que esta ordem temporal, que ainda não é o Reino prometido, pode ser obscuro início do eschaton». A história profana tem, assim, não só uma configuração que a define como instrumento de Salvação, mas também como caminho de Salvação trilhado na substância própria dos acontecimentos.

Apesar da existência do pecado e da imperfeição, que leva à ação impura e ao sujar as mãos, os “sinais dos tempos” inserem-se numa dimensão cristológica e escatológica – o que leva ainda D. José Policarpo (no seu célebre texto sobre os sinais dos tempos) à afirmação: «o fim dos tempos germina e cresce na construção do nosso mundo. Ele será a etapa final de toda a luta pela vida e pelo melhoramento da situação do homem travada através dos séculos. Interpretar os sinais dos tempos é discernir nos fenómenos da história a preparação desse último dia». Há, assim, uma unidade profunda entre a história humana e a história da Salvação. O mistério da pessoa humana leva à compreensão da história. E só à luz de Cristo esta compreensão se pode fazer, uma vez que cada acontecimento e cada fenómeno humano contribui decisivamente para a construção do Reino de Deus. Toda a história humana encerra, deste modo, uma dimensão salvífica, pelo que a interpretação dos sinais dos tempos pressupõe sempre a procura na história do desígnio salvífico de Deus. «Interpretar os sinais dos tempos é ver cada acontecimento no conjunto desse desígnio». O mistério de Cristo lança luz sobre o mistério dos homens, uma vez que a procura da significação da história permite essa ligação – tornando se presente o fim dos tempos, antecipando-se o momento em que o homem atingirá a sua plenitude, para realizar totalmente as potencialidades contidas no princípio. Aqui é a tripla dimensão do presente de Santo Agostinho (passado, presente e futuro) que se projeta, ligando na história dinamicamente o «princípio» e a «esperança». E é o combate pela paz que obriga a ligar esses dois termos. O Papa Bento XVI, quando renovar o gesto de há vinte e cinco anos nestes dias de outubro de 2011, procurará, assim, dar passos concretos de entendimento e diálogo, lembrando que a responsabilidade das pessoas, políticos e cidadãos, de boa vontade, à luz da esperança cristã e ecuménica, deve ter consequência na História humana.

Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura

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Agência ECCLESIA

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