A aridez do pregador

João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Escrevo este texto com uma memória de 40 anos. Sim, há 40 anos era aluno do 3º ano de Teologia no Seminário de Braga. Do curriculum constava a disciplina de “Oratória”.  Cada aula, partilhada com os finalistas, dividia-se em dois tempos: num primeiro momento, um aluno do quarto ano apresentava, perante a turma, a homilia que haveria de proferir no domingo imediato, numa das igrejas da cidade. Depois, era a vez de um terceiranista declamar um sermão que lhe havia sido entregue para decorar e repetir.

Coube-me dar voz a um texto do padre António Vieira. Fiz o que pude. Mas, no final, beneficiando da benevolência do professor, perguntei: «Senhor doutor, faz algum sentido estarmos a ser preparados para um futuro que não vai existir?».

Quis, nesta pergunta, pôr em causa sobretudo a forma que ensaiávamos e que não dispensava a abertura de uma frase em latim e entoações que tinham espirais na voz. Não fui compreendido, vi um olhar de purgatório, mas senti-me confortado.

Nos quase 42 anos de vida sacerdotal fiz e ouvi muitas homilias, com a sincera convicção de que aquelas lições do Seminário não me foram de grande utilidade. Mas sempre reconheci que a “arte da homilia” merece profunda reflexão e cuidado. Acompanhei, por isso, as preocupações de João Paulo II sobre a formação dos seminaristas e dos sacerdotes, as recomendações de Bento XVI e o que sobre a homilia escreveu o papa Francisco na exortação “Alegria do Evangelho”. Agora espero, curioso, o Directório Homilético estes dias apresentado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.

A simples publicação deste vademecum reconhece um problema. E mesmo sabendo que há mudanças que não acontecem por simples decreto, é urgente que elas acontecem, mediante a identificação dos nossos eventuais e pessoais défices de conteúdo, forma ou tempo.

De conteúdo, para que a nossa palavra sirva a Palavra de Deus que ressoa na assembleia dos crentes e ajude ao fervor e significado da celebração; de forma, para não cairmos nas simples regras do discurso mediático, nem descurarmos as mais elementares noções de uma comunicação que se deseja límpida; de tempo – para que a pressa não redunde em superficialidade, nem, no outro extremo, nos esqueçamos do ponto final e da capacidade de atenção dos demais ou das consequências para a celebração… Realmente, esta pode, a partir da homilia, transformar-se numa corrida para recuperar minutos perdidos – com o celebrante a mostrar a agilidade do locutor das linhas finais do spot radiofónico que anuncia bancos, seguros ou automóveis e termina com o aviso de que “não dispensa a consulta do folheto informativo”…

O Directório dirá que a maioria dos eventuais erros se vence pela preparação cuidadosa, que reclama oração, experiência de Deus e conhecimento da comunidade. Assim o assimilemos, para prestarmos um serviço que não nos crucifique e seja de efectiva utilidade para quem o recebe. Até porque – como todos frequentemente ouvimos – a Santa Missa é muitas vezes considerada “uma seca”, precisamente pela aridez do pregador…

João Aguiar Campos

 

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