A alma da cidade

Justiça e Caridade devem pautar as acções dos cidadãos, diz Bispo do Funchal O cristão é um homem livre, se se reconhece como servo é porque a sua missão é demasiado grande. O cristão na política da cidade é chamado a ter um forte sentido de Estado, a dar a preferência ao bem comum e aos interesses gerais da comunidade e não dos privados ou corporativos, a não ofender a sua consciência e os princípios morais para conseguir fins utilitários imediatos. 1. A Justiça na sociedade é missão que compete ao Estado. O Papa Bento XVI exprimiu com clareza na sua encíclica “Deus caritas est”: “a norma fundamental do Estado deve ser a procura da justiça…o fim de um justo ordenamento social é garantir a cada pessoa, no respeito pelo princípio de subsidiariedade, a sua parte dos bens comuns.” (nº 26). A justiça, portanto, sob o ponto de vista político e social, diz respeito à problemática da autonomia das realidades seculares, sobre as quais escreveu o Concilio Vaticano II. O cristão nada tem a fazer neste Campo? Tem. Ele é chamado a operar para que a sociedade cresça segundo as leis que lhe são próprias, segundo o que é justo e bom. Daqui nasce o dever pessoal ou em associações, para que a justiça reine na sociedade, o que não pode prescindir de um empenhamento político, na medida em que a política é o meio para a promoção de uma sociedade justa. 2. Nos últimos tempos, tem-se difundido um preconceito antipolítico, como se a política em si mesma, fosse um mal. Para o crescimento normal da cidade, para o interesse de todos e para o bem comum, todos os cidadãos têm o dever de contribuir, para o cristão, além de um dever, é um preceito religioso: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. São Pedro (1 Ped. 2, 13) e São Paulo (Rom. 13, 15), nas suas cartas, sublinham que o cristão deve participar activa e lealmente na vida da sociedade política. Contudo é preciso clarificar que este empenhamento não é só através dos partidos, ou das assembleias representativas das instituições públicas. O empenhamento político manifesta-se sempre que se trata a acção social, dos legítimos interesses próprios ou das famílias, do trabalho, do sindicalismo, etc., para atingir os interesses de toda a colectividade. O próprio voluntariado, tão a gosto das novas gerações e que parece uma espécie de refúgio do empenhamento político a favor dos mais pobres e indefesos, é, na realidade, acção nobremente política. O Papa Paulo VI afirmou que “a política é a mais alta forma de caridade”, e o empenhamento social é acção política. É necessário entretanto esclarecer que o voluntariado cristão, é e deve ser expressão de uma urgência interior da caridade, o cristão é animado por uma profunda razão religiosa que o leva a seguir e imitar Jesus Cristo. A Igreja não tem uma função operativa na política, ela defende a laicidade do Estado, mas tem uma missão que Bento XVI chama de “purificação da razão”, e não lhe permite colocar-se de lado na luta pela justiça. 3. Há um estilo cristão na política, para a purificação da alma da cidade? O cristão segundo o evangelho, deve reconhecer-se “servo inútil” (Luc. 17,7) porque nunca está à altura das situações históricas, confia no poder de Deus, e se algum bem realiza, agradece-o a Deus. O cristão é um homem livre, se se reconhece como servo é porque a sua missão é demasiado grande. O cristão na política da cidade é chamado a ter um forte sentido de Estado, a dar a preferência ao bem comum e aos interesses gerais da comunidade e não dos privados ou corporativos, a não ofender a sua consciência e os princípios morais para conseguir fins utilitários imediatos. O estilo cristão na política manifesta-se na coragem e na criatividade. É um dom de Deus ter chefes corajosos que defendem e operam pelo bem comum, conscientes que não são eles a salvar o mundo, porque só Deus salva e dá Paz, mas têm liberdade interior para recusar métodos mesquinhos de comportamento, vivem coerentemente com os valores que professam, sem compromissos nem camuflagens, que não temem abrir-se ao diálogo e à colaboração com todos os homens de boa vontade. Reconhecer-se “servo inútil”, dá sentido de liberdade, tornamo-nos sensíveis aos problemas hodiernos e do futuro. A verdadeira força do cristão, como político, está no empenhamento pela construção da cidade dos homens, não como uma profissão qualquer, mas como parte integrante da vocação baptismal, confiando mais na força da graça de Deus do que nos seus próprios dons naturais. n Funchal, 23 de Julho de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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