A alegria da Fé e a evangelização

Padre Fernando Domingues, Missionário Comboniano, Reitor do Pontifício Colégio Urbano – Roma

O Papa aos jovens

Esta quinta-feira (11.10.2012) foi bonita. Apenas a alguns dias da abertura do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, o Papa presidiu, aqui ao lado na Praça de São Pedro, a uma solene Eucaristia para inaugurar o Ano da Fé que quer celebrar os 50 anos do início do Concílio Vaticano II.

Muitos de nós, ali presentes, gostámos de ver o Patriarca Bartolomeu I de Istambul (Constantinopla) numa cadeira de honra: o chefe da Igreja Ortodoxa ao lado do nosso Santo Padre, a tratarem-se em público como irmãos, e ali bem perto também o arcebispo Primaz da Comunhão Anglicana, Rowan Williams. Aquele espírito de fraternidade entre as Igrejas cristãs que o Concílio Vaticano tanto sonhou há 50 anos, estava ali bem presente.

As palavras podem dizer muito, mas gestos destes dizem muito mais!

À noite houve outro momento daqueles que ficam como um tesouro na memória por muito tempo: mais de 40 000 jovens cristãos a cantar, a rezar e a fazer festa. A praça iluminada pela luz de milhares e milhares de velas acesas que eles traziam na mão, e lá de cima, da sua janela, o Papa Bento que sorria e os encorajava dizendo que é preciso descobrir de novo o espírito e a letra do Vaticano II, e comprometer-se com alegria para oferecer o evangelho de Jesus aos jovens de hoje.

No dia seguinte um jornal diário aqui de Roma comentava: e ainda dizem por aí que os jovens não se interessam pela fé cristã. Alguém quer explicar de donde é que vieram estes 40 000?

Depois do encontro na Praça de São Pedro os jovens distribuíram-se por uma série de Igrejas aqui no centro de Roma e as orações, os cantos, os testemunhos de fé que davam a quem quisesse ouvir, continuaram pela noite dentro.

Bem gosta de insistir o nosso Papa que não há uma Igreja antes do Concílio e outra Igreja «nova» depois dele: é a mesma Igreja que vai dando passos um depois do outro como vai entendendo que o Espirito de Jesus indica. Falar de ‘acelerar a reforma’ ou tentar voltar atrás para recuperar um suposto ‘passado de ouro’ são ideias que pertencem mais à demagogia do que ao caminho real das nossas comunidades cristãs.

 

Palavras do Sínodo

O ‘Ano da Fé’ apenas inaugurado está, já no início, fortemente colorido por algumas palavras que os membros do Sínodo vão sublinhando.

Na pequena intervenção que cada ‘padre sinodal’ pode fazer durante esta primeira semana aparece com muita frequência a ideia que não estamos a falar de outra evangelização, diferente daquela que Jesus nos confiou quando disse “Ide por todo o mundo… sereis minhas testemunhas … e eu estarei convosco até ao fim dos tempos”.

Um bispo francês disse francamente que boa parte da sua diocese é hoje terra onde é preciso levar a primeira evangelização: a maior parte das pessoas que lá vivem de facto não conhecem o evangelho de Jesus, e o testemunho de vida da Igreja é algo que fica longe da vida quotidiana real da maior parte das pessoas.

Um outro bispo, africano, confessou que a maior parte da população do seu país recebeu o batismo, depois de mais de cem anos de ação missionaria. Mas boa parte dessa gente de facto já não vive segundo o evangelho de Jesus e tem pouco ou nada a ver com a vida da Igreja.

Se estas realidades nos fazem pensar, enche-nos de alegria o testemunho de muitos que falam de comunidades cristãs cheias de vitalidade e dinamismo, a crescer rapidamente, mesmo se por vezes em contextos de dificuldade e de sofrimento.

O próprio Papa Bento não se cansa de insistir que a nova evangelização é o testemunho de vida e o anúncio em palavras claras que a Igreja sempre procurou oferecer; só que, nos nossos tempos, precisamos de renovar a nossa alegria e entusiasmo pela fé que vivemos e somos convidados a anunciar com métodos, instrumentos, oração profunda e alegria que precisam mesmo de ser novos para que a mensagem possa chegar aos ouvidos e ao coração dos nossos contemporâneos.

 

A nossa parte

Estou aqui em Roma com uma equipa internacional de formadores, a animar uma comunidade de seminaristas maiores (licenciatura e mestrado) vindos de mais de trinta países diferentes e dos quatro continentes do sul e do oriente do mundo. Perguntamo-nos a nós mesmos: o que podemos fazer para colaborar no anúncio de Jesus Cristo já aqui e agora?

Ao todo, com os animadores, somos quase 180, vindos de todo o lado, enviados pelos próprios bispos; os grupos nacionais mais numerosos são o da India (de rito latino, siro-malabar e siro-malankar), cerca de 20 são da República Popular da China, quase outros tantos do Vietname; gente das ilhas do Pacífico e outros dos países do Médio Oriente (estes pertencem às igrejas de rito oriental – Maronita, Caldeia, Copta, Antioquena); da África os grupos maiores são os do Congo e do Sudão (norte e sul), e por aí adiante.

Para além da nossa presença regular todos os fins de semana nas comunidades cristãs de Roma (paróquias, cozinhas para os pobres, casas que acolhem doentes ou deficientes,…) este ano queremos ter uma presença particular entre os imigrantes que proveem dos nossos países de origem. Estamos a organizar uma série de coisas e o objetivo é ajudar essas irmãs e irmãos a ‘sentirem-se em casa na ‘casa de Pedro’. Queremos caminhar com eles para experimentarmos juntos que a nossa fé cristã, podemos vivê-la e celebrá-la à nossa maneira também aqui em Roma. Mais ainda, com as nossas maneiras de viver e celebrar a fé, podemos enriquecer os cristãos de cá, e os que aqui vieram ter, de outros países e continentes. Queremos dar um pequeno contributo para que a Igreja que está em Roma seja cada vez mais a comunidade cristã onde quem chega de fora possa dizer: “Estamos na casa de Pedro, sentimo-nos em nossa casa”.

 

Em caminho para a noite de Páscoa

Sejam as palavras que ouvimos no Sínodo que está a decorrer aqui a poucos passos, seja esta vontade de descobrir de novo a letra e o Espírito do Concílio Vaticano II que se respira aqui por todo o lado nestes dias, penso que sublinham de maneira muito forte outras duas palavras de escutamos da boca de muitos bispos: a Igreja é chamada a ser missão e serviço.

Das comunidades cristãs em todos os ângulos do mundo, que aqui no Sínodo falam pela boca dos seus bispos e dos vários representantes religiosos e leigos, vem com frequência a necessidade de redescobrir a evangelização como algo de muito profundo e ao mesmo tempo muito simples.

Muito profundo porque se trata do ser, da natureza da Igreja. De facto, a Igreja começou quando os apóstolos, juntamente com todos aqueles e aquelas que lá estavam no dia do Pentecostes, receberam o Espírito de Jesus e começaram a dar testemunho da sua nova fé contando em todas as línguas a história de Jesus, a começar pela sua morte e ressurreição, que era o mistério principal que agora o tornava capaz de viver em Deus e de acompanhar o caminho dos discípulos, onde quer que eles se sentissem impelidos a ir anunciar o evangelho. Ainda não tinham manuais de teologia nem compêndios de doutrinas e dogmas a explicar conceitos filosófico-teológicos de grande complexidade. Bastava contar a história de Jesus e mostrar que a Sua presença transformava a vida dos que acreditavam e recebiam o batismo para se juntarem ao grupo dos anunciadores. A missão era, por isso, algo de muito simples. Como alguém dizia um destes dias: trata-se de um amigo crente que conta a história de Jesus ao seu amigo que ainda não crê.

Quando penso nos anos de serviço missionário que passei nos bairros de lata da periferia da capital do Quénia, o momento mais bonito de todo o ano era sempre a celebração da vigília pascal. Nos três centros da paróquia onde celebrávamos a noite da Páscoa, batizávamos ao todo cada ano, uns 400 adultos e jovens, depois de dois anos de catecumenato bem exigente. Eu enchia-me de maravilha a pensar como aqueles homens e mulheres tinham chegado ao batismo: sempre pelo convite de um amigo, de uma vizinha, de um colega de escola… Era isso mesmo, a fé passava de um amigo a outro… A Igreja vive para isso mesmo.

A outra alegria grande era ver como todos os que recebiam os sacramentos da iniciação cristã nessa noite – batismo, eucaristia e crisma – assumiam um serviço concreto na comunidade cristã. Quem se juntava a um dos coros, quem aos grupos litúrgicos, quem aos grupos de serviço aos mais pobres, ou aos doentes, quem se juntava a um ou uma catequista para se tornar catequista por sua vez, depois de dois ou três anos de tirocínio. Na celebração do domingo do Pentecostes, quanto todos anunciavam na missa o serviço que assumiam, lembro-me que até uma jovem doente terminal se levantou para dizer: ‘o meu serviço será sofrer e rezar por todos vós’. A Igreja é uma comunidade de servidores, todos têm direito a servir. Toda a vida das nossas comunidades ao longo do ano era um caminhar para aquela noite da Páscoa.

Gostei de ouvir o Papa a dizer aos jovens: precisamos todos de redescobrir o Concilio Vaticano II para renovar em nós a alegria de anunciar Jesus a todos.

Aqui limitei-me a mencionar quase de passagem e sem a pretensão de dizer tudo apenas algumas das grandes linhas indicadas pelo Vaticano II. Certamente o caminho que faremos neste Ano da Fé vai-nos ajudar a ir mais longe e a maior profundidade. O Sínodo sobre a Nova Evangelização vai oferecer algumas orientações preciosas. Aproveitemos.

Padre Fernando Domingues,
Missionário Comboniano
Reitor do Pontifício Colégio Urbano – Roma

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