A África do Sul e o Campeonato do mundo

Pe. José Manuel Sabença, Provincial dos Missionários Espiritanos

“O ambiente é de euforia. Não sei como o conseguiram, mas toda a gente está “crazy” isto é, meia doida!”. Foi com estas palavras que a Gugu Mtombeni, responsável da comunidade paroquial de Clermont, nos arredores pobres de Durban, na África do Sul, se referia ao espírito que inundou o país acolhedor do Campeonato do Mundo de Futebol. Assim me falava ao telefone, poucas horas após o jogo inaugural do campeonato do mundo, em que os Bafana-Bafana (palavra zulu que significa Rapazes) empataram com o México.

A África do Sul viveu muitos anos tão marcada por uma forte separação entre os seus povos que nem o desporto os conseguia unir. Havia modalidades “brancas” como o râguebi e o criquete, apoiado e praticado em altas condições e havia modalidades “negras” como o futebol praticado em ruas, bairros, estádios de periferia e de menor condição. O apartheid dividiu, feriu e matou inclusivamente o espírito de sã competição que uma bandeira deveria poder congregar. Compreendendo profundamente a capacidade do desporto em reunir esforços, sentando lado a lado homens e mulheres, brancos e negros, já o sábio Nelson Mandela, enquanto presidente da Nova África do Sul,  procurou fazer do campeonato do mundo de Râguebi uma ocasião impar de vencer preconceitos e de unir o que parecia votado à divisão. O filme “Invictus” conta bem, mais essa vitória de um presidente que aprendeu o perdão e o bem da nação, em anos de prisão.

Hoje, uma dúzia de anos mais tarde, todos os sul-africanos vivem este campeonato do mundo como uma grande clareira de esperança, apesar das dificuldades de segurança que possam ensombrar o evento. Clareira de esperança porque a África do Sul colocou o melhor das suas gentes e das suas capacidades técnicas para estar à altura do evento e de qualquer outro país na Europa ou América. Clareira de esperança porque houve crescimento económico, desenvolvimento estrutural e criação de emprego, como pude verificar em Dezembro último. Clareira de esperança porque a África do Sul se abre ao mundo para  apresentar o seu “rainbow nation”, isto é, a sua multiplicidade de cores e sabores, de climas e paisagens, de pessoas e de costumes. Clareira de esperança porque o campeonato do mundo é uma oportunidade desta diversidade se unir num efeito colorido que fará daquela terra abençoada por Deus uma terra de mais paz, mais compreensão e mais colaboração, uma terra de reconciliação.

Nas muitas iniciativas que ao longo dos anos tem contribuído para a reconciliação dos povos da África do Sul, onde se falam 11 línguas oficiais, contam-se oração das diferentes igrejas cristãs, procissões e via-sacras ecuménicas, trabalhos de uma comissão “Verdade e Reconciliação”, campeonato do mundo de Râguebi; Fórum Mundial sobre a Sida, iniciativas ecuménicas de solidariedade e acção social, e muitos outros eventos que, a nível local ou internacional, tem trazido ao país, material valioso para a sua lenta  reconstrução humana e social. O Campeonato do Mundo de Futebol também aí figurará… 

A igreja de S. José, em Durban, ali ao lado do estádio onde Portugal se vai debater com o Brasil, já colocou em grande destaque as três bandeiras: África do Sul, Portugal e Brasil. Até porque o pároco desta comunidade católica portuguesa é brasileiro. Mais ao lado, na Igreja de Santo António, a própria bandeira sul-africana, está junto ao altar. Uma família portuguesa a viver na África do Sul entregava-me há dias uma bandeira de Portugal e outra da África do Sul para colocar no retrovisor do carro e dizia: Algo está a acontecer.

Se algo está a acontecer e isso leva as pessoas à participação, a dar as mãos e  a conhecer-se melhor para assim se respeitarem mais, então não hesito em dizer que o Espírito de Deus está presente e que as pessoas saberão acolher a sua luz para construir um mundo de mais esperança para todos. As crianças portuguesas, quase todas de origem africana, com que vivi a Eucaristia neste domingo, num bairro de inserção da periferia de Lisboa, ficaram interessadas em ouvir o meu “zulu” e até aprenderam a cantar em Zulu um pequeno cântico. Mas será que a participação de Portugal no campeonato do mundo vai ajudar a que essas crianças se sintam mais próximas de todas as outras crianças que vivem, quase na rua ao lado, mas também num mundo à parte porque desigual? Possa Portugal vencer! Sobretudo possa vencer ou ajudar a vencer, pelo desporto rei, as barreiras da desigualdade e do desinteresse pelo futuro do país.

Que a nossa bandeira se erga bem alto no interior de cada um, incentivando e encorajando todos a entregar-se, com garra e com valor, com verdade e com sacrifício até, pela sustentabilidade do nosso país como terra de esperança para todos os que aqui vivem. Coragem Portugal!

Pe. José Manuel Sabença. Provincial Missionários Espiritanos

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