A acção missionária: diálogo e testemunho

O Pe. António Couto é membro da Congregação para a Evangelização dos Povos. À Agência ECCLESIA fala dos novos caminhos para o anúncio do Evangelho junto dos que não o conhecem ou não o vivem Agência ECCLESIA – Primeiro anúncio, nova evangelização, reevangeli-zação, primeira evangelização. A terminologia utilizada para definir a acção da Igreja pode parecer confusa nesta matéria, ou não? Pe. António Couto – Acho que não. Desde a encíclica Redemptoris Missio, de 1990, João Paulo II clarifica claramente a linguagem em três pontos (cf. nº 33, ndr): o primeiro tem a ver com os contextos socio-culturais onde Cristo e o Evangelho não são conhecidos, a típica missão “ad gentes”; o segundo tem a ver com as comunidades cristãs sólidas e estabe-lecidas, uma espécie de “serviço de manutenção”; por último, há uma situação mista, referente a locais onde o Cristianismo existiu e hoje se está a diluir, onde há lugar para a Nova Evangelização, como na Europa. A terminologia de “primeiro anúncio” foi criada no Sínodo dos Bispos de 1974, e tinha a ver com os povos que não conhecem a figura de Jesus. Hoje o que nós podemos dizer é que é preciso insistir nos três pontos. AE – Há a consciência, dentro da Igreja, da especificidade destes trabalhos? AC – Bem, estes compartimentos não são estanque. Não há zonas do mapa pintadas de cores diferentes, com fronteiras cavadas: é preciso que estes três campos de acção sejam interligados. O que parece cada vez mais necessário, e é isso que choca muita gente, é estar sempre atentos ao que se chama primeiro anúncio, mesmo nos territórios da antiga Cristandade, onde há gente que nunca ouviu falar de Cristo. Depois, é preciso notar que no final do Concílio Vaticano II havia 2 mil milhões de pessoas que não conheciam Jesus. Hoje, com o crescimento populacional, esse número já vai nos 4 mil milhões e com tendência a aumentar: praticamente 2/3 da população mundial têm pouco ou nada a ver com o Cristianismo. Penso que, nos tempos que correm, podemos constatar que o mundo não é cristão e impõe-se, cada vez mais, a missão “ad gentes”. AE – Continua a ser a missão “ad gentes” a cativar mais pessoas dentro da Igreja? AC – Essa é uma vocação fundamental e creio que nunca desaparecerá porque aí está a própria natureza da Igreja, não é uma questão de mais ou menos verniz. A actividade missionária atinge o próprio coração da vida da Igreja e a Missão compete a todos os cristãos. Os leigos são enviados em Missão, não por nada de exterior, mas apenas pelo facto de serem baptizados. Ninguém se pode demitir de testemunhar a sua fé, essa é a palavra mágica. Se isto algum dia morrer, é a própria Igreja que morre. AE – Os novos caminhos da Missão podem definir-se como uma acção mais aberta ao diálogo e menos centrada nos números das conversões? AC – Há uma nova fase da Missão que está a caminho, prefigurados em dois documentos: “Diálogo e Missão”, do antigo Secretariado para os Não-Crentes e “Diálogo e Anúncio”, do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso em conjunto com a Congregação para a Evangelização dos Povos. Repare que nos dois documentos está presente a palavra diálogo e, de certo modo, estamos a mudar o regime da Missão. Antigamente, o missionário chegava, plantava no terreno uma cruz e obrigava as pessoas, quase, a baptizar-se. AE – A opção pelo diálogo veio mudar muita coisa? AC – Isto quer dizer que o primeiro passo não será nunca impor uma cultura ou uma Religião, nem sequer Cristo ou o Evangelho. O começo é falar, sabendo à partida que já há nessa cultura as tais sementes do Evangelho de que a Igreja fala. A nova metodologia da Missão, que se aplica não só a campos missionários enquanto tal, mas em qualquer região, implica que eu tenha de estar disponível para ir ter com uma pessoa e gastar com ela muito tempo. Esse é um problema de fundo dos tempos que correm, mas é por aí que hoje passa o Evangelho. Como sabe, o diálogo leva tempo: não há mais Missão apresada, com metodo-logia de implantar uma cruz e baptizar daqui a um mês. Eu diria, dando um passo em frente, que é preciso começar por relatar e testemunhar. Relatar é relacionar, criar laços, o que era, no fundo, a técnica de São Paulo: quando ele relatava Cristo, relatava a sua vida de cristão convertido, testemunhando com a sua vida que era verdade o que estava a dizer. AE – Não bastaria anunciar? AC – Eu penso que não basta anunciar, é preciso relatar, com muito tempo, até que a minha vida seja exposta ao outro como testemunho de que eu aderi a Cristo e o outro compreenda. O relato é frágil, o relato nunca se impõe: quem ouve a minha história pode ou não ficar convencido. Esta é a nova metodologia da Missão, contar a história de Cristo com a minha vida. Ou começamos a arranjar tempo para ela, ou então não teremos grandes hipóteses. AE – Esta metodologia já foi assumida no terreno, através da acção dos missionários. Acredita que será bem acolhida na Congregação da Santa Sé de que é membro? AC – Os documentos da Santa Sé já começaram a falar desta temática, nomeadamente os que citei. Penso que o próximo passo irá falar do relato, necessariamente. O diálogo leva-me ao encontro da pessoa, mas esse encontro não é um sermão que faço para que as pessoas ouçam. O que vou expor é a maneira de ver Jesus na minha vida e depois ouvir as pessoas, indo ao encontro de cada uma. A Igreja tem de inventar maneiras de encontrar pessoas disponíveis para irem ter com as pessoas e fazerem este grande relato de testemunho sobre Jesus Cristo. Desde o Concílio Vaticano II que estas ideias têm sido lançadas, mas onde falhamos é na prática. Sem isso, a Missão pode diluir-se cada vez mais e, em termos de números, estaremos sempre em grande desvantagem, a perder o mundo. Temos de começar já!

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