Mensagem de Natal de D. José Ornelas, bispo de Setúbal
O quadro que nos habituámos a contemplar nos nossos presépios e que conhecemos pelas tradições bíblicas evoca a realidade de uma família simples, à volta de um bebérecém-nascido. O ambiente que se respira é de penúria e até de drama, pela situação desprotegida do casal, longe da sua terra e temendo perseguições, que hão de fazer deles refugiados e exilados. Mas revela igualmente uma imensa ternura, no carinho dos pais, na atenção dos visitantes, que chegam de perto e de longe, para felicitar o casal de estrangeiros, ver o menino e ajudar de algum modo a minorar as carências. No meio do ambiente agreste e preocupado, eles criam uma atmosfera improvisada de conforto acolhedor para esta vida que começa a abrir-se num vagido que pede atenção, ternura e proteção.
É assim a vida humana: no luxo das famílias abastadas ou na perigosa miséria dos campos de refugiados, nenhuma criança sobreviveria e cresceria como pessoa, sem o carinho e o cuidado daqueles que a cercam. O Natal aponta precisamente para a família como berço da vida, da ternura, do cuidado para com aqueles (todos!) que são fracos. Jesus não teria sobrevivido neste mundo sem o aconchego, o carinho, a diligente entrega de Maria e de José. Foi a eles, em primeiro lugar, que Deus confiou o cuidado do seu Filho, o Salvador do Mundo.
Mas o Natal revela também o outro lado da medalha: Na realidade, nesse menino frágil e dependente, revela-se a prodigiosa força de Deus que vem cuidar da radical fragilidade humana. Deus, o Senhor poderoso do universo, não tem medo de se aproximar, de partilhar a fragilidade humana, com os dramas da pobreza, da injustiça, do desamparo, da solidão e do desânimo. Aos braços ternos, mas igualmente débeis de Maria e José, Ele confia o dom precioso do seu Filho. A força, a grandeza e a nobreza não se revelam no dominar, humilhar e destruir, própria de predadores, mas no acarinhar, apoiar, levantar e construir que distingue os cuidadores. Assim começa a revelar-se o mundo novo!
Neste ano, experimentámos dramaticamente a fragilidade da natureza, da vida, da sociedade e da humanidade, na catástrofe dos incêndios, das guerras, atentados e tantas outras calamidades. Muitos se moveram também solidariamente, para estar próximos dos mais atingidos, para cuidar dos que não podem bastar a si próprios em tais situações. Muitos outros incêndios de ódios, destruição, injustiça e indiferença ficaram por atender.
Neste Natal, Deus confia-nos uns aos outros, para cuidarmos, nas nossas famílias, das nossas fragilidades e mágoas, dos nossos sonhos e esperanças. Na Família-Igreja, confia-nos a pequenez de um Reino que é sempre semente a desenvolver-se e fermento a levedar, apelando ao cuidado e ao amor de todos, iluminados e aquecidos pelo sol perene do Seu Espírito que nunca nos abandona. No país, na sociedade e no mundo, feridos por desastres naturais, guerras, fome e injustiças, o Pai de todos os humanos convida-nos a ser cuidadores da paz, feita de justiça, dignidade e solidariedade na diversidade, pois, aos seus olhos, nenhuma pessoa é estrangeira, mas irmão ou irmã. O Criador do Universo confia-nos este maravilhoso planeta, para admirarmos e usufruirmos, mas igualmente para respeitarmos e cuidarmos das suas fragilidades, de modo que continue a ser a terra-mãe para todos os seus habitantes, hoje e no futuro.