Maria Amélia Carvalheira

Não tive a honra de conhecer pessoalmente Maria Amélia Carvalheira, mas o Prof. Barata Feyo, meu Mestre na então Escola Superior de Belas Artes do Porto, que a admirava, teve oportunidade de a ela se referir como “uma mulher de fibra”, com uma grande capacidade de trabalho… e inteligente. Falava aos seus alunos muitas vezes, elogiando algumas das peças realizadas por Carvalheira, durante o tempo em que com ele contactou. Nota-se em grande parte da sua obra, especialmente nas figuras de maior dimensão, a influência e a admiração pelo Mestre. Talvez seja por tudo isto que eu me encontro aqui a render-lhe a minha homenagem nesta ocorrência do seu centenário. Questão de gerações que ganham fraternidade pela transmissão de saberes com mestres comuns. Julgo terem todos os artistas plásticos representado a figura de Cristo. A história das suas várias figurações está aí para contar como cada época, cada conjuntura, cada mentalidade ou cada sensibilidade olhou o centro do mistério, a grandeza de Deus comunicada pela excepcional humanidade. Essas figurações crísticas são sempre confissões mentais, doutrinárias e pessoais, fruto de uma escolha ou resultado de uma rejeição. Gosto do Cristo de Dali. É extraordinário como a obra, se colocada no espaço da Igreja, inverte a relação de significado herdado: NÃO NOS É SUPERIOR. Olhamos Cristo de cima para baixo, dominámo-lO, envolvemos o nosso olhar em diferente perspectiva. O seu Cristo em descendência será um modo de “corporizar” a ideia de S. João da Cruz? É evidente que cada pessoa deve rea-lizar o seu próprio caminho, mas todos nós bebemos sempre em qualquer fonte. Picasso, para a sua Guernica, talvez se tenha inspirado no célebre quadro de Goya “Os fuzilamentos do 3 de Maio de 1808”. Na notável obra de M. Carvalheira também existem sombras das fontes. No entanto adivinha-se na sua execução a consequência de um silêncio de fé amadurecida e acolhedora das formas da tradição. Em tantos anos de trabalho foi criando a sua expressão própria e nessa expressão artística ela viveu só “num mundo”, criando esculturas de grande seriedade, sempre atenta a verdades do reino intemporal. O seu estilo agradou à hierarquia e obteve um grande volume de encomendas. Se tudo o que entra nas nossas igrejas deve ser digno do culto, que enorme responsabilidade tem o artista, actualmente… Quanto possível também a obra deve ser mistagógica e iniciar para uma aproximação ao verdadeiro mistério, pôr no caminho da relação com o transcendente e não obrigar a ficar no objecto. Lamentavelmente, há representações de santos, nas nossas igrejas, que distraem do essencial. A falta de formação cristã leva a que muita gente entre numa igreja e vá direitinha ao santo preferido, sem atender ao sacrário. Este tipo de piedade enfraquece a dignidade da liturgia cristã e não deve ser favorecida. Segundo Matisse, o artista tem de ajudar a criar um espaço religioso. Colaborar com as comunidades cristãs requer humildade de quem serve, como em qualquer outro ministério. A ousadia da criatividade, dentro desta atitude de serviço é um bem enorme para todo o povo de Deus. Para M. A. Carvalheira a figura de Maria, Mãe de Jesus – sob as invocações de Senhora de Fátima, Senhora das Dores, Senhora da Conceição, Senhora de Setúbal, Coração de Maria etc. etc. – ocupa um lugar de honra nas suas manifestações artísticas e consegue, em certas peças, não se repetir, o que é difícil dada a insistência do tema. Usa nestas formas umas expressões de liberdade bastante positivas. Os variados presépios que criou, indo de encontro ao gosto popular, simplificam as formas, imprimindo um colorido de naturalismo aos gestos e posições das figuras. Particularmente conseguido o inclinar de Maria para o Menino, nas figuras do Presépio da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, ou na curiosidade do anjo, debruçado para espreitar o Menino acabado de nascer, ou ainda na centralidade do Menino num baixo-relevo, no qual todos os olhares se dirigem para o Divino Infante. Quase todos os modelos das suas peças de grande porte têm um “ar” clássico, equilibrado, sóbrio e respeitando o material definitivo – a pedra. O barro cozido ajudou-a a disciplinar o estilo, a dominar os volumes, partindo, com mais à-vontade para as peças de outra escala e que denotariam feição de modernidade. Haveria muito mais a referir, como a sua obra medalhística (15 peças), mas não tenho presente a sua produção, nem pretendo parecer uma crítica de arte que nunca fui. Apenas, na singeleza das palavras, me associo, por ocasião do centenário do seu nascimento, a esta figura singular do nosso meio artístico. Termino, dizendo o seguinte, em relação à artista M. Amélia Carvalheira que estamos a homenagear: o tempo se encarregará de confirmar a autenticidade espiritual da sua obra e de avaliar a capacidade para comunicar um Mistério que transcende os tempos, na efemeridade das formas. Irene Vilar Escultora

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Agência ECCLESIA

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