Cinema: A Mãe e o Mar

Prestes a chegar ao circuito comercial nacional, ‘A Mãe e o Mar’ é o mais recente filme do português Gonçalo Tocha. Apresentado pela primeira vez em Fevereiro de 2013 no prestigiado Festival Internacional de Cinema de Roma, o documentário passaria em Julho pelo Festival de Curtas de Vila do Conde, seguindo em fevereiro deste ano para o MOMA, Nova Iorque, integrado no Festival Internacional de Cinema e Media de não Ficção.

Um percurso do exterior para Portugal, semelhante ao seguido pelas anteriores obras do realizador: ‘Balaou’ (2007), uma primeira incursão às suas origens, revisitação da Mãe que acabara de perder e cujo diário proporciona um reencontro, em registo poético, pelo mar e a costa açoriana. E ‘É Na Terra não é na Lua’ (2011), um diálogo cinematográfico e identitário intemporal que nos revela uma extraordinária ilha do Corvo, primeiramente destacado em Locarno, 2011, com uma Menção Honrosa na categoria Realizadores da Atualidade, seguindo-se, com dois prémios, os prestigiados festivais internacionais de Cinema Independente de Buenos Aires (BAFICI) e de São Francisco (EUA) em Abril de 2012.

Entre estes e o filme que agora estreia, Gonçalo Tocha cria ainda, ‘Torres e Cometas’ (2013), uma encomenda de Guimarães Capital da Cultura onde, sem se demarcar da condição de sujeito ativo nem abdicar quer da incessante busca da identidade dos espaços quer da sua representação no tempo, se distancia da harmoniosa poesia dos seus outros filmes, preterida pela emergência de uma crítica ao modo de olhar e viver a cultura: que não se constrói por decreto, não se edifica em eventos nem se estabelece em discursos. ‘Torres e Cometas’, mostrando um outro lado do olhar desperto do realizador para a vida, resulta numa crítica mordaz à descaracterização da nossa nacionalidade imposta por conveniências tantas vezes alheias ao registo ou intenção de uma significativa relação entre as pessoas e os espaços/tempos que habitam.

Já ‘A Mãe e o Mar’ retoma a delicadeza do realizador no diálogo que estabelece com uma realidade, no caso única na costa portuguesa – a das mulheres ‘pescadeiras’, algumas com carta de arrais (mestres de embarcação) e da sua relação com o mar. Na praia de Vila Chã, Vila do Conde, uma forma de vida e uma paixão evocada e ainda assumida por Glória, a única pescadeira da atualidade. Um encontro íntimo, desvendado com o espanto e o encanto com que se descobre um tesouro, filmado e montado com a sensibilidade capaz de nos transportar para um universo desconhecido com tal proximidade que nos impregna, sem quase darmos por isso, do mesmo sentimento de pertença que uniu e une, anos a fio, aquelas mulheres e aquelas famílias aquele mar.

Com a habitual capacidade de revelar a extraordinária beleza das coisas mais simples, Gonçalo Tocha é certamente um criador do cinema marcante do nosso tempo. Empenhado na forma como procura o outro, gentil na forma como o recria cinematograficamente, atento à história e ao seu contexto, humilde na forma como olha o seu trabalho e extremamente generoso no modo como oferece a sua arte ao sujeito das suas obras e ao espetador.

Transformando-nos, da forma mais cordial.

Margarida Ataíde

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