Na Irlanda de 1952, Philomena Lee, dezoito anos, nascida no seio de uma família e comunidade profundamente católicas, órfã de mãe e educada na escola de um convento num regime alheado do mundo fora dos seus limites geográficos, espirituais e afetivos, conhece um rapaz numa feira local. Uma maçã e uns caramelos são o bastante para que Philomena creia que este é capaz de lhe oferecer tudo o que deseja da vida e a paixão consuma-se, resultando na sua gravidez.
Insustentável aos olhos da família, não haverá projeto de maternidade para esta rapariga que é mandada para longe e forçada a entregar o filho para adoção. Uma forma de manter a maternidade em segredo, esconder a vergonha, redimir-se por ter sucumbido à tentação e expiar o pecado de ter um filho fora do casamento. Um passo então considerado benéfico para a reconciliação com Deus.
Em vez de reconciliada, Philomena viverá cinquenta anos atormentada por uma culpa abafada em segredo somando, à ideia de pecado, o enorme peso de se ver obrigada a rejeitar o maior dom que Deus lhe havia concedido, o de gerar vida.
É ao fim deste tempo que conhece Martin Smith, um jornalista que, intrigado pela sua história, a encoraja a procurar o filho e assim reconciliar-se genuinamente consigo, com aquele e com Deus.
Publicado em 2009, ‘The Lost Child of Philomena Lee’ (‘O Filho Perdido de Philomena Lee’) foi o êxito de vendas que contou, em primeira mão, a verdadeira história de uma das muitas mulheres forçadas, ao longo de anos, a rejeitar a maternidade por imposição de princípios morais não exclusivamente adotados em contextos católicos. Serviu, como é possível que sirva agora esta adaptação ao cinema, para trazer à tona uma quantidade substancial de casos semelhantes, onde uma quantidade de mulheres que passaram pela mesma experiência se sentiram encorajadas não apenas a contar a sua história mas a reencontrar-se consigo e os seus filhos, retomando a possibilidade de um laço de amor precoce essencial para ambos e de outra forma, pelo menos, difícil.
O filme, bem construído e gerido, contando já com uma enorme popularidade e um palmarés assinalável de que se destaca o Prémio Signis em Veneza, beneficia enormemente da interpretação de Judi Dench, que dá à protagonista a profunda dimensão dramática da sua história.
Para além da questão concreta da maternidade fora do matrimónio, que desejavelmente nos fará a todos refletir sobre a diversidade de contextos que a propiciam, as implicações que traz para os envolvidos – filhos sempre em primeiro lugar – e o que nos cabe como católicos praticantes para assegurar o amor e a caridade que, igualmente a todos, é devido, eis mais um filme que não se esgota nem no tema, nem na época, nem do contexto geográfico que aborda.
Na verdade, se para tal tivermos disposição e até generosidade, emprestando ao cinema e à sua capacidade de nos levar adiante o nosso dom de escuta, podemos fazer da história de ‘Filomena’ um bom pretexto para aprofundar e debater onde e como se aplica a lei fundadora do amor de Deus e como, a título de Seus testemunhos, olhamos os outros e os aproximamos de Si. Os outros, na sua identidade, no uso da sua liberdade, nas escolhas, no erro e no pecado, contextualizados neste tempo que vivemos.
Margarida Ataíde