Às vezes parece o acaso

João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

Devem ter passado dois anos sobre o dia em que os responsáveis do Seminário Conciliar de Braga me convidaram para um encontro com os seus seminaristas. «Coisa simples» — explicaram, pormenorizando que se tratava apenas de contar como tinha surgido a minha vocação e como é que a vivo num ambiente diferente do habitual: quase sempre na comunicação social e, agora, administrando o Grupo Renascença; ou seja, fazendo algo que um leigo poderia fazer melhor…

Aceitei, com um pensamento fixo: «a vida em Lisboa descrevo-a com simplicidade e verdade. Quanto à origem da minha vocação, gasto dois segundos a explicá-la, dizendo apenas: não sei».

No calor da conversa fui, evidentemente, mais longe. E contei como aos nove anos, o confessor galego que se deslocava a Vilarinho da Raia (Chaves), onde eu então provisoriamente vivia, me perguntou, numa primeira sexta, se não gostaria de ser “cura”. Reguila, questionei-o sobre o assunto e, chegado a casa, anunciei que ia ser padre. A gargalhada ainda hoje não se extinguiu!… Até a minha mãe, que nos cansava a rezar e nunca se esquecia de invocar a Rainha das Missões para que nos desse «muitos e santos missionários», me aconchegou a si e exclamou. «Oh filho, valha-te Deus. Tu sabes lá bem o que queres…». Cautelosa, no fim da quarta classe levou-me à Escola Industrial e Comercial de Chaves, na esperança de ganhar um “montador eletricista”; mas, logo a seguir, ao estágio de admissão ao Seminário. Aceitaram-me, apesar de, ao que parece, ter sido o único que não respondeu como era esperado à pergunta «Para que queres ser padre?». Escrevi um redondo «não sei» e, no recreio, espantei-me com a certeza dos outros miúdos que tão ardentemente desejavam «salvar almas».

Evidentemente que, em devido tempo e vencido o doce tempo da inconsciência, tive ocasião de tudo debater e racionalizar, na fé. Tive de me confrontar com muitas dúvidas e alternativas.

Mas o que hoje quero aqui trazer é apenas este aparente acaso que moldou a minha vida; e como numa inofensiva pergunta começou um caminho permanentemente percorrido entre o espanto e a paixão.

Já agora, quantos pais, párocos e educadores fazem hoje aos seus educandos a pergunta do meu confessor galego? No entanto, essa questão pode ser a porta estreita para a voz terna d’Aquele que chama, em galego ou em português, mas sempre gratuitamente… Às vezes até parece o acaso!..

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