Albert Camus: Um hóspede privilegiado do «Átrio dos Gentios»

Ao fazer uma análise do cristianismo da primeira metade do século XX, o bispo do Porto da altura, D. António Ferreira Gomes, afirma que a “religião de Cristo” tem de partir das “consciências para a sociedade e para o Estado e que a marcha contrária é pagã”. Nessa entrevista concedida ao Boletim de Informação Pastoral D. António Ferreira Gomes disse que o concílio “nunca poderá perder de vista” as soluções das perguntas postas à Igreja: “Pelo homem desta segunda metade já adiantada do século XX, num mundo materialmente uno, mas dilacerado por fortes tensões de dissolução em conflito com as forças morais coesivas”.

Ao fazer uma análise do cristianismo da primeira metade do século XX, o bispo do Porto da altura, D. António Ferreira Gomes, afirma que a “religião de Cristo” tem de partir das “consciências para a sociedade e para o Estado e que a marcha contrária é pagã”. Nessa entrevista concedida ao Boletim de Informação Pastoral (BIP) de setembro-outubro de 1962, D. António Ferreira Gomes disse que o concílio “nunca poderá perder de vista” as soluções das perguntas postas à Igreja: “Pelo homem desta segunda metade já adiantada do século XX, num mundo materialmente uno, mas dilacerado por fortes tensões de dissolução em conflito com as forças morais coesivas”.

Estas respostas denotam que o prelado do Porto estava atento às questões que o «mundo» colocava à Igreja. Neste contexto, o pensador francês, Albert Camus (1913-1960) foi um dos agitadores das consciências eclesiais. “Não procurarei tornar-me cristão diante de vós. Compartilho convosco o mesmo horror diante do mal, mas não partilho a vossa esperança, apesar de continuar a lutar contra este universo no qual há crianças que sofrem e morrem”, escreveu Albert Camus que completaria, hoje, (7 de novembro), o centenário do seu nascimento.

A efeméride obrigou-me a revisitar alguns textos deste francês nascido na Argélia. Na busca encontrei uma autêntica pérola sobre o pensamento do autor das obras «O Estrangeiro»; «A Peste»; «Os justos», «O Mito de Sísifo» entre outras. Essa pedra preciosa é da autoria do cardeal italiano, Gianfranco Ravasi, numa comunicação proferida na etapa de Marselha (França) do «Átrio dos Gentios». Na prelecção, o cardeal sublinha que “a pergunta acerca do mal na história e resistente a qualquer solução filosófica dilacerará sempre a alma deste escritor”. Ao falar sobre a obra «A Peste», o cardeal Ravasi acrescenta que esta “é a ponta do iceberg literário e espiritual do mar interior de Camus, é o seu Job intenso e trágico” (In: L´Osservatore Romano, 30 de junho de 2013).

Quando lhe atribuiu o prémio Nobel da Literatura, em 1957, a Academia sueca premiou acima de tudo um empenhamento cívico e uma consciência ética. “Era um inimigo da injustiça” e “nunca aceitou que se combatesse um totalitarismo à custa de outro totalitarismo”, escreveu Pedro Mexia no jornal «Público» a 19 de junho de 2010.

Os seus artigos do jornal «Combat» (recolhidos em três volumes chamados «Actuelles») são uma escola de liberdade. Albert Camus foi um mal amado. “Ser uma voz moral num tempo moralmente comprometido tem o seu preço”, escreveu Clara Ferreira Alves no jornal «Expresso» a 02 de novembro de 2013.

O filósofo francês considerava que “a incredulidade contemporânea já não se baseia na ciência como no final do século XVIII. Ela nega a ciência e ao mesmo tempo a religião. Já não é o cepticismo diante do milagre. É uma incredulidade apaixonada”. Precisamente esta paixão faz com que Camus seja “um hóspede privilegiado do «Átrio dos Gentios»”, disse o cardeal Ravasi. “Só conheço um dever e é o amar”, escreveu o Nobel nos «Cadernos» e conclui: “este mundo sem amor é um mundo morto”.

No sua obra «Homem Revoltado», Albert Camus afirma: “A beleza não faz revoluções. Mas chegará o dia em que as revoluções precisarão da beleza”. O II Concilio do Vaticano não foi uma revolução feita com beleza?

LFS

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