Depois de alguns artigos aqui dedicados à vitalidade do cinema português, em termos de impulso criador, produtores, distribuidores, profissionais e criadores do cinema nacional reunem-se para debater a sua frágil situação. Em causa, está a significativa redução dos apoios estatais à produção e distribuição cinematográficas, impacto de um ‘ano zero’ em 2012 e do não cumprimento – sobretudo em tempo útil para a sobrevivência de alguns dos subscritores deste protesto, da taxa de contribuição prevista pela nova Lei do Cinema por parte dos operadores de telecomunicações e televisão por subscrição. Estima-se que o montante global desta contribuição, cujos termos e legalidade são postos em causa por alguns dos operadores e que reverteria a favor do cinema nacional, ronde os onze milhões de euros.
Independentemente do que em concreto aqui se discute, com uma crise global e nacional a provocar maior convulsão entre partes que lutam, de forma desigual mas cada qual ao seu modo de fazer face ora à sobrevivência ora à queda de receita, a crise no cinema português tem um alcance que nos obriga a refletir sobre a ainda incipiente adesão ou mobilização da opinião pública para a sua causa. E é também por isso, por não constituir força suficiente para corrigir a inoperância do estado ou acelerar o ritmo das instâncias legais para resolver diferendos como este, que os mesmos tardam em resolver-se. Com manifesto prejuízo do cinema e do próprio público. Se a adesão fosse significativa, manifestos como este não renderiam o escasso número de assinaturas ali declarados. Se a adesão fosse significativa, o investimento dos maiores operadores do audiovisual no cinema português seria bem maior, dependendo menos da imposição de taxas e mais da receita diretamente criada pela bilheteira.
No momento em que criadores e obras nacionais, sobretudo jovens, merecem reconhecimento e aplauso nos mais prestigiados festivais internacionais de cinema, como tem sido sobejamente noticiado nos media, não é de falta de qualidade que o cinema português padece.
Os filmes premiados abordam universos e temáticas tão diferentes quanto a diversidade de público que têm tocado: ‘Rafa’, ‘Tabu’ ou ‘É na Terra não é na Lua’ são disso prova e a adesão
do público a que as obras têm
chegado, na proporção da distribuição e divulgação que lhes é feita, tem sido bastante positiva. O caso de ‘A Gaiola Dourada’, não sendo um galardoado, revela uma ampla ‘premiação’ por receita direta de bilheteira. Significa que o público reage aos universos familiares.
Por outro lado, a crescente adesão do público aos festivais de cinema, mostra, claramente, a sua apetência para géneros, registos, formatos, estéticas e sobretudo conteúdos muito plurais e muito diferentes dos que o circuito comercial maioritariamente oferece. Os investimentos que têm sido feitos para fomentar a qualidade e diversidade da experiência cinematográfica em si mesma, por quase oposição ao impulso dos multiplex de comercializar comidas e bebidas com filmes – no início era contrário…, valorizando mais a experiência de cinema em si mesma, provêm, nos últimos anos, do circuito cultural, maioritariamente protagonizados pelos festivais. Os seus bons resultados não se revelam apenas em afluência de público mas também na mobilização da comunidade cinematográfica nacional e internacional, na ligação direta entre um e outra e, ainda, na valorização das regiões em que se inserem. Com a vantagem, ainda, de reforçar o cinema na sua componente de vivência comunitária, criando verdadeiras comunidades de gente que se conhece, fideliza, congrega e debate em torno dos filmes, refletindo em conjunto sobre questões do meio e do mundo. Cinema português incluído.
Novos públicos estão por isso a revelar-se e, de tal forma, que aos poucos não só têm surgido novas distribuidoras, investimento de gente nova, a apostar corajosamente e com pertinente visão em registos cinematográficos alheados do ‘mainstream’ como se vê as grandes distribuidoras ainda que timidamente, a amplificar a oferta nas suas agendas. Nestes registos inclui-se o cinema português.
É no entanto, ainda, um progresso lento e com pouco impacto. Na verdade, há uma questão fulcral e antiga por detrás da relação entre o cinema português e o público que é cultural e educativa. Enquanto não houver investimento numa educação para o audiovisual, para a comunicação, para a arte, pegando no que de muito bom se fez e se faz desde que o cinema nacional existe, não haverá uma cultura cinematográfica. Não haverá nem mobilização nem receita garantidas. É uma corrida de fundo e mesmo a única capaz de reduzir o impacto dos altos e baixos das dotações orçamentais e os diferendos com cobrança coerciva. Mesmo que o cinema, como a cultura em geral, nunca deixem de poder ou dever ser subsidiados. Um investimento que também nos cabe a nós protagonizar, como público, pais, educadores, membros e líderes de comunidades.
Margarida Ataíde