Cinema: Ferrugem e osso

Inesperadamente, Ali, pai de um filho de quem se tem mantido distante desde que este nasceu, vê-se obrigado a assumir as suas responsabilidades paternais por inteiro. Pouco habituado a gerir a vida e espaço interior para além de si próprio, sem casa, com pouco dinheiro e poucos amigos, decide deixar a Bélgica e partir com o pequeno Sam para junto da irmã, na costa francesa.

Numa das suas deambulações noturnas, conhece Stephanie, uma bela e segura tratadora de baleias que mesmo relutante aceita a possibilidade de tornarem a encontrar-se.  No entanto, num dos seus espetáculos, Stephanie sofre um acidente que a deixa paraplégica, definitivamente confinada a uma cadeira de rodas.

Ali, que começa a aprender com o filho a olhar além de si próprio e a enfrentar os riscos e  benefícios do amor paternal, terá que se esquecer muito mais de si e aprender muito mais sobre a importância do altruísmo se quer que Stephanie também faça parte da sua vida…

Passam três anos sobre a última vez que os cinemas portugueses receberam um filme de Jacques Audiard, ‘Um Profeta’, que explorava as frágeis condições de vida de um jovem imigrante de origem árabe a cumprir seis anos de pena numa prisão francesa. 

O tema, ainda centrado na figura masculina mas num registo totalmente diferente, mais melodramático, passa agora em ‘Ferrugem e Osso’ à contraposição entre o individualismo e o altruísmo, abordando os riscos e benefícios da construção de relação, seja ela paternal/filial ou amorosa.

Um olhar sobre a sociedade contemporânea, focado na questão de um progenitor ausente, infelizmente não tão rara nos nossos dias e no nosso país – sabemo-lo pelo aumento do número de pedidos de apoio, diversos, ao Estado, na alimentação e proteção a menores de famílias monoparentais, por incapacidade ou negligência de um dos progenitores -, mas explorado de forma otimista, na perspetiva de que nenhuma relação não cuidada gera um processo irreversível.

Mesmo sem escapar aos habituais excessos dramáticos e gráficos de Audiard, ‘Ferrugem e Osso’ é uma das boas propostas de cinema desta semana, com a solidez suficiente para nos fazer pensar sobre a falsa liberdade que o individualismo promete, sobre a importância da dedicação aos que nos são confiados, sobre o que há de surpreendente para lá dos obstáculos e, sobretudo, nos riscos  que vale a pena correr ao sairmos da nossa zona de aparente conforto para assumir a responsabilidade de nos aproximarmos do outro.

Margarida Ataíde

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