Cinema: Lincoln

Margarida Ataíde

Com mais de uma centena de títulos associados à sua carreira de produtor (51 dirigidos por si), Steven Spielberg tem dado um portentoso contributo à história do cinema, com obras que se debruçam sobre as questões que consubstanciaram a evolução e o estado do mundo (sobretudo) no último século.

Atravessando temas que vão da conquista do espaço (‘Encontros Imediatos do 3º Grau’, ‘E.T. – O Extra-terrestre’, ‘Guerra dos Mundos’), às Guerras Mundiais (‘O Império do Sol’, ‘O Resgate do Soldado Ryan’, ‘A Lista de Schindler’, ‘Cavalo de Guerra’), passando pelo período Jurássico (toda a série ‘Parque Jurássico’) e outros períodos marcantes da nossa história, como os conflitos com o Médio Oriente refletidos nos Jogos Olímpicos em ‘Munique’.

Independentemente do género, são bem patentes as questões que Spielberg levanta e os valores subjacentes que defende: o respeito pela vida, a tolerância ou respeito mútuo, para lá da diferença de espécie, raça ou credo; a relação humana com o desconhecido; a possibilidade de entendimento e cooperação nas circunstâncias mais adversas ou ‘improváveis’.     

Depois de ‘A Cor Púrpura’ e ‘Amistad’, ‘Lincoln’ é, mais que o olhar biográfico sobre um presidente dos Estados Unidos, uma nova proposta de reflexão sobre a questão dos direitos humanos, especificamente centrado na abolição da escravatura – igualdade racial, ou étnica.

Entre 1861 e 1865, a Guerra da Secessão nos Estados Unidos (precisamente pouco unidos, à época), opõe onze estados do Sul aristocrático e latifundiário, portentosamente assente na mão de obra escrava, a um Norte industrializado e ansiando pelo desenvolvimento do mercado interno, devidamente protegido.

Em 1865, com uma população exausta e um país dividido, o presidente Abraham Lincoln, republicano manifesto opositor da escravatura, procura conciliar os esforços que, do seu lado e do lado dos democratas, se desenvolvem a favor da paz com o desejo, longe de consensual, de abolir de vez a escravatura – fazendo aprovar a 13ª Emenda da Constituição.

Uma tarefa árdua a contrarrelógio que implica sobretudo um trabalho de ‘bastidores’ políticos, mas que o filme pertinentemente abre à capacidade de auscultação de um líder nato: ouvindo a palavra que todos os envolvidos têm a dizer sobre a matéria – desde os soldados brancos e negros da frente de batalha, à família, passando por correlegionários e opositores políticos, negros livres ou ainda escravos.

Uma obra clara e bem gerida que pretere os efeitos emocionais e visuais da guerra em favor da discussão, atual, de interesses, fundamentos e garantias da igualdade dos homens, não entre si, mas perante a lei. E nesta discussão, o papel preponderante, inevitavelmente solitário, de um líder.

 

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