Homilia de D. José Policarpo na Solenidade de São Vicente, padroeiro principal do Patriarcado de Lisboa

“A Igreja de Lisboa confia no seu Padroeiro” 

1. Celebramos hoje, em solenidade litúrgica, São Vicente, Padroeiro da Diocese e Cidade de Lisboa. No momento concreto que vive a nossa sociedade, uma interrogação se me põe: o que devemos pedir a São Vicente para nos ajudar a todos, Igreja e sociedade, a viver as dificuldades do tempo presente com grandeza e esperança? São Vicente intercederá junto de Deus para que a Igreja seja fiel a si mesma e encontre na sua fé e no amor ao próximo a maneira de ser força e luz. Vou tentar responder, convosco e para vós, à pergunta que eu próprio formulei na convicção de que encontraremos a resposta, não apenas na história do Santo Diácono de Saragoça, mas sobretudo na Palavra de Deus que esta liturgia nos convida a escutar e a meditar.

Pedimos, antes de mais, ao nosso Santo Patrono, que nos ajude a acreditar em Deus e no Seu Filho Jesus Cristo. A fé em Deus e o amor a Jesus Cristo foram a força de São Vicente que o levaram a fazer da sua vida um dom, no serviço dos irmãos e do sacrifício da própria vida no martírio. Quando se chega ao ponto de fazer da própria vida um dom, o que só é possível em Jesus Cristo, atingiu-se o ponto da fecundidade transformadora na comunidade a que se pertence.

Sempre, mas particularmente nos momentos difíceis, acreditar em Deus, confiar na Sua ajuda e proteção, é atitude constitutiva de uma reação ao sofrimento, alicerçada na confiança profunda. Essa é a interpelação do texto do Eclesiastes.

Perante a dureza do sofrimento, o autor sagrado exclama: “Lembrei-me então, Senhor, da Vossa misericórdia (…). Vós libertais aqueles que esperam em vós”. “Invoquei o Senhor, para que não me abandonasse nos dias da tribulação” (Sir. 51,8-17).

É também este o testemunho de São Paulo aos Coríntios: “É Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos consolou em todas as nossas tribulações” (2Cor. 1,3-4). Temos assistido a uma sinfonia de vozes que apontam soluções para o sofrimento coletivo. Não tenho a certeza que ela nos leve a identificar os que são, pessoalmente, atingidos pelo sofrimento. A confiança no auxílio divino, que se situa sobretudo no plano pessoal, não exclui a busca das soluções humanas, políticas, económicas, culturais, para vencermos o sofrimento. Desta confiança no auxílio divino deve ser, sobretudo a Igreja, a sua testemunha. Essa é uma expressão primeira da nossa fé. Deus ajuda-nos, “para podermos consolar aqueles que sofrem qualquer tribulação” (2Cor. 1,5). Esta força para vencermos o sofrimento vem-nos da nossa união a Cristo vivo, que deu a vida por nós e nos ampara com o Seu amor redentor.

Esse é um testemunho forte da experiência pessoal de São Vicente. Peçamos-lhe que nos ajude a acreditar e a confiar. Demos à nossa Cidade o testemunho da nossa fé.

2. Em segundo lugar, creio que hoje devemos pedir a São Vicente, que nos ensine e nos dê forças para servirmos os nossos irmãos. Ele foi diácono, e a diaconia sempre foi, na Igreja, um ministério de serviço dos irmãos, de modo particular dos doentes e dos mais pobres. O diácono encarna e concretiza a missão da Igreja de servir, de ser serva, como Jesus Cristo foi Servo. Sempre a Igreja viveu desta convicção: servir os irmãos é servir o próprio Cristo. Ele o afirmou: “o que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a Mim que o fazeis” (Mt. 25,40). E escutámos no Evangelho de São João: “Se alguém estiver ao Meu serviço, que Me siga; e onde Eu estiver, aí estará também o Meu servidor” (Jo. 12,25-26). Servir os irmãos é o caminho para nos identificarmos com Cristo.

Sempre, mas sobretudo nos momentos mais difíceis, as comunidades humanas precisam de ser revitalizadas por esta generosidade do serviço, dando prioridade aos outros nas opções da nossa liberdade. É o caminho para aprendermos a fazer da nossa vida um dom e a encontrar no amor a força que transforma a sociedade. Este dom generoso da nossa vida em favor do próximo, na linguagem cristã chama-se caridade, uma pureza de amor que só se aprende com Jesus Cristo e que sempre que se exprime gera comunhão, constrói comunidade. São Vicente, com o seu testemunho, pode fazer-nos perceber que a verdade da nossa fé se exprime na caridade, no dom de si mesmo, a Deus e aos irmãos. O Santo Padre, ao abrir o Ano da Fé, afirma: “A fé sem caridade não dá fruto e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra de realizar o seu caminho” (Porta Fidei, nº 19).

Peçamos a São Vicente que nos ensine a amar generosamente. Esse amor será uma força decisiva para encontrarmos caminhos de solução. Quando Jesus pede aos discípulos que amem o mais pequenino dos seus irmãos “é um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o Seu próprio amor que nos impele a socorrer aqueles que se tornam nossos próximos nos caminhos da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando novos céus e uma nova terra onde habite a justiça” (PF. nº14).

3. E finalmente peçamos, hoje, a São Vicente Mártir, que nos dê coragem de testemunhar a nossa fé em todas as circunstâncias, de vencer todos os medos.

Meditemos nas palavras de Bento XVI: “Pela fé os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor, com o perdão dos seus próprios perseguidores” (PF. nº13).

São Vicente foi, durante séculos, protetor de comunidades cristãs perseguidas. Hoje são outras as dificuldades que encontramos para o testemunho coerente da nossa fé. Que ele nos dê força, nos ajude a vencer os medos e nos dê a simplicidade de manifestarmos em público a nossa fidelidade a Jesus Cristo.

Sé Patriarcal, 22 de janeiro de 2013

D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa

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