Valorizar a experiência e promover o envelhecimento ativo

A presidente da Comissão Nacional do Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações traça à ECCLESIA o balanço desta iniciativa

A presidente da Comissão Nacional do Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações traça à ECCLESIA o balanço desta iniciativa que decorreu em Portugal, num ano não de desenvolvimento mas de envolvimento. Joaquina Madeira, de 65 anos, encara esta iniciativa como uma oportunidade para mudar, onde os seniores terão uma palavra a dizer. No final do ano o Governo vai receber um documento com boas práticas que já existem e que importa alargar, bem como com recomendações para tornar a sociedade mais participativa e respeitadora de direitos garantidos.

 

Agência Ecclesia – O que mudou com o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações (AEEASG)?

Joaquina Madeira – O AEEASG foi um ano que se propunha sobretudo usar da palavra para que a sociedade tomasse consciência de uma nova característica, própria do desenvolvimento, que é a longevidade. Isto requer organização para que o envelhecimento seja longo mas ativo, saudável, seguro, útil, participativo. Toda a sociedade tem responsabilidade na promoção de um envelhecimento ativo porque implica todos, desde que nascemos.

Penso que este Ano nos veio dizer isto: os cidadãos, as organizações vocacionadas para as pessoas idosas e o legislador devem ter em conta que a sociedade tem de promover o envelhecimento ativo.

 

AE – Mas ficámos pela tomada de consciência?

JM – Esse era o primeiro objetivo. Tínhamos depois de desencadear ações concretas sobre o envelhecimento ativo e solidariedade entre gerações. Muitas ações não começaram este ano mas intensificaram-se atividades.

Há organizações muito atentas aos mais velhos e aos jovens que fomentam o apoio e mobilização para o encontro. Há centenas de boas práticas, não apenas pontuais mas muitas estruturadas.

Penso que, por outro lado, este Ano permitiu perceber que as pessoas idosas não são inúteis ou um peso para a sociedade. Elas próprias dão o seu contributo. Sabemos que as pessoas mais velhas têm hoje um papel importante nas famílias – acompanhamento dos netos, apoio aos dependentes; algumas organizações são geridas por pessoas mais velhas, há muitas ainda a trabalhar. As pessoas continuam ativas.

 

AE – Que organizações se envolveram na promoção de atividades neste AEEASG?

JM – Penso que nenhuma entidade passou ao lado deste Ano. Algumas vamos descobrindo. O sítio na Internet disponibiliza e articula informação nacional mas há sempre novidades e iniciativas que desconhecemos. Até a cultura realizou muitas atividades.

As academias seniores, em seis anos de atividades, tiveram um aumento de cinco mil alunos para 40 mil.

Penso que o tema veio para ficar porque ele corresponde a uma necessidade que temos.

 

A geração que nasceu após a II Grande Guerra teve oportunidades que a geração dos meus pais e dos meus avós não tiveram, como mobilidade social e estudo. Ganhámos com a sociedade industrial, que promoveu direitos às pessoas. Fomos os primeiros beneficiários da mudança na sociedade europeia, que agora está em crise.

Há pessoas seniores ativas, interessadas, curiosas, tratam de si, da sua qualidade de vida, estão disponíveis para o voluntariado e para os outros.

O AEEASG veio levantar estas questões. Não podemos desvalorizar a reflexão e a mensagem porque o primeiro passo para agir é tomar consciência dos problemas.

 

E – O passo foi dado ao longo deste ano?

JM – Sem dúvida.

 

AE – O que é que gostaria de ter visto mudado depois deste ano?

JM – Não tenho a ideia de que o AEEASG veio resolver os problemas todos.

 

AE – Mas houve questões que poderiam ter sido resolvidas e não foram?

JM – Não podemos esquecer que estamos num momento crítico para uma mudança estrutural no bem-estar e qualidade de vida dos seniores. Não vamos dourar porque a situação é crítica: 26% da nossa população idosa vive riscos de pobreza e há pessoas sem o suficiente para viver.

Gostaria que toda a parte da saúde e proteção pudesse ter evoluído este ano mas sabemos que não podemos esperar avanços na melhoria significativa da qualidade de vida básica das pessoas.

Precisamos ativar a nossa solidariedade e a união para atravessarmos este período crítico. Penso que todos estamos concertados – cidadãos e políticos – para melhorar as condições de vida das pessoas.

Há um conjunto de propostas que o AEEASG vai apresentar, resultantes da aprendizagem e trabalho realizados.

Há sugestões a nível europeu e para Portugal que entregaremos ao Governo português. Pensamos que muitas coisas não serão resolvidas este ano, porque é curto, mas poderão ser uma promessa de melhoria de políticas face à população ativa.

Um conceito que veio para ficar é o envelhecimento ativo. Culturalmente e através de modelos concretos para o funcionamento das nossas instituições, na forma como nos dirigimos às pessoas idosas, os preconceitos podem ser quebrados.

 

AE – A crise limitou o que poderiam ser as consequências deste Ano?

JM – Não podemos ignorar que estamos num momento crítico, não numa fase de desenvolvimento. Estamos num momento de envolvimento.

 

AE – Esta fase tirou oportunidades para uma participação mais ativa, até no mercado de trabalho?

JM – É verdade, mas eu considero que as dificuldades vão gerar novas realidades. O Japão, por exemplo, é dos países mais envelhecidos mas encara esta realidade como uma oportunidade que pode trazer mais-valias para a sociedade. Será uma sociedade com um perfil cultural diferente.

Portugal em 2040 terá 40% de pessoas mais velhas, onde as mulheres estarão em lugares de decisão; será certamente um mundo diferente do mundo jovem ocupado por homens.

O centro da sociedade mudou dos jovens, da racionalidade, fortemente masculinizada, para as pessoas mais velhas, para as mulheres. Vamos ter uma sociedade com mais inteligência emocional.

As crises surgem para mudar as sociedades. O modelo que tínhamos até agora serviu. O desenvolvimento é fruto desta sociedade, no entanto agora é chegado o tempo de mudar para uma sociedade mais humanizada, mais amiga, mais afetuosa. Eu não vejo isto como um problema, mas como uma viragem.

Precisamos de organizar-nos para uma nova sociedade – os sistemas de segurança social, de saúde e de trabalho –, para uma população diferente. A tensão reside aqui.

 

AE – Como é que avalia o lugar da pessoa sénior no quadro familiar? Nas viagens que realizou, de norte a sul do país, do interior para o litoral…

JM – Há o melhor e há o pior. Costumo dizer que as famílias são os melhores lugares do mundo mas também podem ser o maior inferno. Infelizmente isso acontece.

Há uma pressão grande nas famílias: quando confrontadas com problemas aumenta a violência sobre os mais frágeis, nomeadamente as pessoas idosas.

O que lhe posso dizer é que existem excelentes exemplos de consideração pelos mais velhos, de integração na sociedade, nas famílias, na participação ativa, no respeito e consideração pelo seu papel, pelo seu património e cultura, que certamente serão a maioria, mas ainda temos pequenos casos na sociedade portuguesa relativamente à família.

Falta uma cultura de respeito e consideração pelos mais velhos.

 

AE – Este AEEASG não serviu para pôr em evidência as boas práticas em detrimento de notícias sobre morte de idosos em casa?

JM – Também houve. Tivemos excelentes programas nas nossas televisões sobre boas práticas, sobre a posição dos idosos na sociedade. Eu, como sou positiva, considero que há sinais de que as coisas estão a mudar. É verdade que temos de informar sobre o que não está certo e a comunicação social tem um papel muito importante, mas não podemos ficar por aí.

 

AE – A sociedade acompanha a realidade social, financeira e espiritual dos idosos de forma equilibrada?

JM – Eu tenho a tese de que o século XXI é o século dos sentimentos, dos afetos e da espiritualidade. Penso que isso falta à sociedade portuguesa.

A espiritualidade não tem a ver com religião, mas sim com uma dimensão em que todos nós somos feitos e, por isso, precisamos dela. Na ação junto das pessoas precisamos de ter essa dimensão espiritual e cultural também para gerar bem-estar.

 

AE – Como é que acompanha as muitas iniciativas realizadas por Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), algumas ligadas à Igreja Católica, na resposta às pessoas seniores?

JM – Ao longo da minha vida profissional sempre estive ligada ao trabalho junto de pessoas idosas e assisti a uma evolução extraordinária, fruto desta parceria com as IPSS, centros paroquiais, misericórdias. A qualidade das respostas tem melhorado e analiso-a muito positivamente.

Mas há um conceito, trazido pelo envelhecimento ativo, que deve ser incorporado na forma como se presta serviço às pessoas: olhar para os idosos que vão para um lar não como a sua última morada mas vê-los como pessoas que se desenvolvem sempre ao longo da vida e que vão viver novas oportunidades.

Devem, por isso, ser tratados como pessoas capazes, úteis e participar na vida da instituição.

Temos de passar de uma visão assistencialista e explorar as suas competências para que elas se sintam com um projeto de vida. Devemos trabalhar com elas como atores e parceiros e não como destinatários de uma ação que por vezes retira a dignidade e o respeito das pessoas. Esta é uma mudança a fazer em toda a nossa rede de prestação de serviços que implica formação dos agentes. É um dos legados do AEEASG. Devemos perceber nas nossas instituições e nas políticas de que forma estão a promover o envelhecimento ativo, a autonomia, a independência e a participação das pessoas.

 

AE – D. Manuel Clemente, bispo do Porto, participou no encontro «Presente no Futuro – os portugueses em 2030», promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde propôs a constituição de um senado com pessoas mais velhas que se pronunciasse sobre medidas e projetos, mesmo que a título consultivo. Estamos ainda longe desta realidade?

JM – Penso que não. Essa é uma das propostas que temos para apresentar no final deste AEEASG e é já uma prática em alguns municípios. Com nomes diferentes, mas já existem grupos de idosos que são ouvidos, onde se partilha informação sobre o que lhes diz respeito mas não só.

Essa proposta não me parece de difícil concretização. Trata-se de valorizar a sua participação e dar-lhe, não uma função política, mas de interesse pela polis.

 

AE – Há condições em Portugal para um envelhecimento ativo e feliz?

JM – Temos condições, mas precisamos de desenvolver melhorias nas políticas e na organização social a todos os níveis. Se não conseguimos garantir a todas as pessoas seniores os seus direitos, temos ainda muito para fazer.

Não se trata de dar mais saúde, por exemplo, mas recriar os sistemas. A saúde tal como está é uma indústria. Eu vejo uma saúde fora dos centros de saúde: comunitária, preventiva, uma educação para a saúde. Se a saúde não for só para tratar doenças mas para a sua promoção, terá menos doentes. Isto não é exclusivo para pessoas idosas, mas para todas.

Há um grande consumo de medicamentos. Não queremos mais saúde nos termos em que atualmente existe, mas sim uma saúde diferente. Se acompanharmos as pessoas idosas para a sua participação, provavelmente vão menos ao médico. A crise traz essa necessidade de reflexão sobre o desenvolvimento dos nossos sistemas.

 

AE – Essas propostas devem partir da sociedade civil ou do Estado?

JM – As iniciativas devem partir de todos. Dou-lhe um exemplo de uma boa prática: há um concelho onde um médico em vez de prescrever medicamentos prescreve comportamentos – caminhadas diárias, beber água, por exemplo. Temos de mudar o paradigma neste campo, porque tem gerado comportamentos baseados no dinheiro, no consumo, onde existem muitos interesses.

 

AE – A recomendação que vai dirigir ao Governo no final deste AEEASG baseia-se num apanhado de boas práticas que se realizam no país e que o Estado não tem consciência?

JM – O documento orienta-se para a recomendação de algumas boas práticas que importa alargar e intensificar; outras são mudanças que importa realizar. Por exemplo: nós não temos um sistema jurídico que proteja e represente formalmente não só os mais velhos como as pessoas dependentes e incapazes; é preciso uma atenção especial às famílias que tratam das pessoas dependentes e mais velhas. Em Portugal 80% das pessoas dependentes são tratadas por famílias e é um peso extraordinário é necessário criar oportunidades na gestão das idades dentro das organizações nomeadamente na instituição de formas de preparação para a reforma para que, com antecedência, as pessoas pensem no que vão fazer. É preciso investir na formação ao longo da vida, que é determinante na construção dos países e das sociedades.

São propostas a vários níveis – segurança social, saúde, emprego, cultura – que podem vir a melhorar sistemas, ajudar a resolver pontos críticos e dar atenção às pessoas que não têm os seus direitos garantidos, com percentagem elevada na faixa das pessoas idosas em Portugal.

 

AE – São apenas recomendações?

JM – Há coisas que não podemos decidir mas há aspetos que são decididos ao nível local. Neste momento, a partir de juntas de freguesia, de IPSS, de autarquias, de redes de proximidade, associando muitas vezes as escolas, as paróquias, a Cáritas, é possível criar redes de responsabilidade que acompanhem as pessoas que mais precisam e combatam o isolamento e a solidão dos idosos. Isso está a ser realizado de norte a sul e não precisou de políticas.

 

AE – O seu discurso incide no cidadão e não no Estado…

JM – Uma grande parte do bem-estar e da qualidade passa pela proximidade e pela criação de espaços humanizados. Naturalmente não resolve tudo, mas avança significativamente. Precisamos depois do nacional, das medidas políticas, do acesso aos direitos.

Neste momento não podemos ter a ilusão que o país se vai transformar na área dos direitos adquiridos. Não podemos deixar de frisar o assunto, e quero que isto fique claro, a solidariedade não substitui a justiça social, mas a justiça social sem solidariedade é pouco porque não atinge os objetivos de sustentabilidade dos sistemas e de humanidade.

A tónica tem de estar na solidariedade sem esquecer a justiça social. Temos de ativar a solidariedade, a ajuda mútua, a proximidade, a união e a ligação entre todos. Este é o meu discurso.

 

AE – Essa é a via para se construir o Estado Social?

JM – Nós chegamos atrasados ao Estado Social e não o completamos. Estamos 20 anos atrasados em comparação com o Estado Social dos restantes países europeus.

O discurso do Estado Social tem de continuar a ser formulado. Teremos de encontrar outras formas de o realizar. Mas uma coisa é certa: entre nós temos de encontrar soluções para que todos tenham o mínimo de dignidade e de vida.

A discussão é como. O objetivo é que todos tenham oportunidade de estar à mesa do desenvolvimento. Esta é a minha convicção de sociedade mais justa, mais humanizada, mais desenvolvida, mas a partir de um paradigma diferente do atual.

 

AE – No seu entender como é que o vamos conseguir?

JM – Através de todos, mas talvez com o Estado a perder o seu papel. Temos assistido à perda dos Estados para o supraestado e para o local. Em determinadas áreas, não diria em todas, está posto em causa.

 

AE – Está a referir-se ao poder local e às instâncias europeias?

JM – A instâncias globais internacionais. Eu sou apaixonada pelo futuro e há coisas interessantes que estão a ser desenvolvidas e não sabemos. Raciocinamos sempre do nosso quadrado.

Existem grupos que estão a pensar sobre o conceito de trabalho e emprego porque o que existe é produto da sociedade industrial e está posto em causa. Os pilares da nossa organização social estão a ser questionados.

 

AE – É esse quadro mental que tem de ser alterado?

JM – É necessário abrir o nosso espírito a novas soluções porque as que existem estão desatualizadas. A sociedade que temos é outra. Queremos mais espírito, mais afeto, mais ligação entre as pessoas e isso tem de ser construído com outros pilares.

Isto geralmente faz-se com guerras, agora felizmente está a fazer-se com crise. É uma guerra branca mas é a mudança que está aí, que vai além do envelhecimento ativo, e que nos faz pensar.

 

AE – Este AEEASG ficará para além da efeméride?

JM – Tenho essa convicção. Mercê do trabalho dos anos passados (2010 – Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social e 2011 – Ano Europeu das Atividades de Voluntariado que Promovam uma Cidadania Ativa, ndr) a semente está lançada.

Naturalmente que o AEEASG veio trazer palavras a uma realidade que está a ser vivida mas, estou segura, vai continuar.

LS

Partilhar:
Scroll to Top
Agência ECCLESIA

GRÁTIS
BAIXAR