Responde a Igreja, de modo adequado, ao problema dos mais idosos?

D. António Marcelino, bispo emérito de Aveiro

Lembra-te dos dias de outrora, considera os anais do passado, interroga o teu pai e ele te contará, os teus avós e eles te ensinarão. (Deut 32, 7)

 

Tem sempre razão de ser a pergunta se a Igreja se preocupa, de modo efetivo e adequado, atenta a situação em que os mesmos vivem. O problema não tem uma resposta igual para todos os casos, nem de sentido evangelizador único, mesmo distinguindo respostas da hierarquia em relação aos seus idosos, e das comunidades cristãs em relação aos seus membros.

Hoje vive-se mais tempo, as reformas profissionais alcançaram-se mais cedo, as famílias, em muitos casos, têm dificuldade em manterem na sua casa os familiares mais idosos, e, frequentemente, os esquecem, multiplicam-se iniciativas sociais de apoio, vêm-se revelando, neste grupo etário, capacidades, antes impensáveis.

Cresceram os casos de isolamento, de internamento em instituições, de abandono de idosos nos hospitais e nos lares, as pensões de reforma são para muitos claramente insuficientes, muitos dos mais idosos se instalam nas suas rotinas e nostalgias, mais parecendo esperar a morte, do que saborear e valorizar a vida com sentido positivo.

Há ainda iniciativas sociais muito válidas como as academias de seniores, os coros musicais e orquestras, os passeios de descoberta do país. Até o comércio multiplicou os produtos para os mais idosos e as autarquias se desdobram em propostas a seu favor. Pode ver-se o cuidado das paróquias e outras instituições em encontrar e implementar respostas sociais, como lares, centros de dia, espaços de convivência, enfermarias de cuidados intensivos, e agora, também, de acolhimento de noite. Muitas respostas têm muita qualidade, mormente quando se confrontam as diversas soluções em campo. Mas, não falta na sociedade gente sem escrúpulos que, vendo o interesse das famílias em internar os seus idosos, cai na tentação do lucro indevido, recebendo muito e gastando o mínimo com os internados à sua conta.

As respostas dadas pela Igreja em relação aos membros da hierarquia mais idosos, não raro são contraditórias. Elege-se um Papa a rondar os oitenta anos, mas os cardeias dessa idade já não podem ser eleitores. Qualquer que seja a sua situação, aos setenta e cinco anos o bispo deve ceder o governo diocesano, mas esta idade, determinada canonicamente para toda a Igreja, excetua, facilmente, arcebispos importantes e, sobretudo, cardeais. Os casos não são decididos tendo em conta as pessoas e as comunidades que servem. As medidas surgem fora da realidade, à revelia do tempo que se vive, segundo gostos, postos e interesses. Se cito, de modo suave, este modo de tratar os mais idosos, é porque a coerência evangélica tem um alto valor testemunhal. Hoje tudo é público, tudo se pode apreciar.

Há outros campos de ação, válidos e oportunos em que, por vezes, as respostas ficam aquém do que à paróquia e às outras instituições eclesiais compete, por missão, desde o acordar as famílias para o seu dever para com os seus idosos, à denúncia, de situações graves. Não raro se verifica que o pároco se transformou em gestor de obras sociais, com prejuízo de outras atividades pastorais evangelizadoras, urgentes, também, para os mais idosos. Os programas das instituições da Igreja não podem esquecer esta dimensão. Há critérios e propostas de enriquecimento espiritual desta fase etária, tanto no Diretório Geral da Catequese, como no Catecismo da Igreja Católica, por vezes esquecidas ou secundarizadas. Sem a participação da comunidade e de alguns membros da mesma, preparados ou preparar, muitas necessidades espirituais dos idosos ficam por atender, se tudo depender só do padre. Mas, tudo a depender só do padre é a contradição da Igreja conciliar e o ponto final da renovação eclesial que urge.

Muitos idosos permanecem nas suas casas, apoiados pela paróquia, por meio dos visitadores e pela participação dos ministros extraordinários. Porém, nem sempre são alertados para a sua união à comunidade e para o valor e sentido apostólico da sua vida. Uma riqueza que se perde. Ouve-se, por vezes, o desabafo de párocos do interior desertificado, dizendo que não sabem porque estão ali, dado que na paróquia só há velhos… Há muitos caminhos a andar na fidelidade à missão, mas nenhum caminho será evangélico quando se menosprezam os mais idosos. A Igreja tem, pois, muito para fazer tanto dentro das obras sociais, como na ação pastoral paroquial.

Há na Igreja um movimento apostólico dos mais idosos,  destinado aos já aposentados. É a Vida Ascendente, Movimento Cristão dos Reformados. Os pontos de apoio que propõe são: Amizade, Espiritualidade, Apostolado. A caminhada faz-se em grupos de reflexão e convívio, com temas adequados à idade. Dispõem os membros de uma revista bimensal e organizam-se  tempos de oração e de lazer, e está o campo aberto a todas as iniciativas que valorizem. VA é um movimento  internacional, já bem testado nos diversos continentes. Está já em quase todas as dioceses de Portugal, com grupos paroquiais ou interparoquiais, por vezes de forma ainda pouco expressiva. É uma proposta válida, que os padres precisam de conhecer. Leigos, em comunhão com os seus párocos, podem levar a bom termo o movimento sem os sobrecarregar.

Se os padres estão mais voltados para o esplendor  litúrgico que para a educação da fé e para a caridade em ação, o trabalho com os idosos pode não ser atraente, nem de resultados vistosos. Mas é uma exigência de amor e gratidão, um reconhecimento público do que a Igreja e a sociedade lhes devem e como os estimam. Os mais idosos constituem um património social e eclesial de generosidade e fidelidade. Se a sociedade os julga um peso, é preciso que a Igreja, no seu testemunho atento, sublinhe o seu valor humano e cristão e promova socialmente o respeito que lhes é devido.

António Marcelino, bispo emérito de Aveiro

 

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Agência ECCLESIA

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