Evocação da inauguração do Concílio Vaticano II

Padre Luciano Cristino, Diocese de Leiria-Fátima

No dia 29 de setembro de 1962, depois de uma noite tranquila, após a viagem de comboio, de Portugal à Cidade Eterna, acordei, de manhãzinha, com o bimbalhar dos sinos da igreja de S. Celso, vizinha do Pontifício Colégio Português, onde fora batizado o menino Eugénio Pacelli, que veio a ser Papa com o nome de Pio XII. Depois da missa de ação de graças, pela viagem, e do pequeno-almoço, dirigi os meus passos para a Praça de S. Pedro. Foi uma fortíssima emoção, quando transpus a porta principal da Basílica, onde estava já preparada a aula conciliar que, daí a dias, iria ser ocupada por cerca de 2.500 padres conciliares, vindos de todo o mundo para a grande assembleia ecuménica.

Às 5.45 horas da madrugada de 11 de outubro de 1962, dia da Maternidade Divina de Maria, celebrei a missa pelas intenções do concílio, nas chamadas “catacumbas”, do rés do chão do Pontifício Colégio Português, para poder estar presente num dos momentos mais históricos da Igreja Católica: o XXI Concílio Ecuménico Vaticano II. Entrado na basílica de S. Pedro, assisti à chegada do bom Papa João XXIII, na sua cadeira gestatória, sob os aplausos dos mais de 2.500 bispos e de uma multidão incontável de fiéis. Mas a visibilidade do altar da confissão e da aula conciliar era muito exígua e, por isso, saí da basílica para ver a espetacular transmissão televisiva no Colégio. Recordo-me bem dessa noite, na Praça de S. Pedro. Como no encerramento do Concílio de Éfeso, em 431, os fiéis da cidade aclamaram com archotes acesos e aclamações a Virgem Santíssima, a Teotókos, e os padres conciliares que tinham definido esse dogma, assim a Praça de S. Pedro se encheu de luz, naquela noite de 11 de outubro de 1962. O Papa João XXIII disse à multidão duas coisas que não mais me esqueceram: “dir-se-ia que até a Lua se apressou esta noite. Observai-a no alto a olhar este espetáculo!” e “quando voltardes a casa, encontrareis os vossos filhos; fazei-lhes uma carícia e dizei: esta é uma carícia do Papa!”

As emoções que vivi, durante as quatro sessões do Voncílio (1962-1965), foram imensas. Cheguei a ser convidado para oficial do Concílio como “assignator locorum” (distribuidor dos lugares aos bispos). Eu estava no primeiro trimestre do biénio do curso de Teologia Dogmática e, perante a minha hesitação, consultei o meu Bispo, D. João Venâncio, Bispo de Leiria, que me disse: “tu precisas de estudar, e esse cargo vai tirar-te muito tempo; declina o convite e não tenhas pena”.

De todo o Concílio, destaco momentos muito significativos para mim. O primeiro foi no dia 21 de novembro de 1964, em que o Papa Paulo VI, se rodeou de 24 bispos que tinham, nas suas dioceses, santuários marianos importantes, entre os quais D. João Venâncio, para concelebrar com ele e perante os 2.156 padres conciliares presentes, promulgou a Constituição “Lumen Gentium” sobre a Igreja e proclamou a Santíssima Virgem Mãe da mesma Igreja. Na alocução soleníssima que proferiu, lembrou e renovou a consagração que Pio XII fizera em 1942, no contexto de Fátima, e prometeu enviar a rosa de ouro ao Santuário português.

No final do Concílio, em dezembro de 1965, o Cardeal Cerejeira, em nome do episcopado português, convidou os bispos para o cinquentenário das aparições. Já se pensava, nessa altura, em convidar o próprio Papa, para fazer uma visita ao Santuário, em 1967. Quando parti de Roma para Portugal, a 19 de março desse ano, estava-se a dois meses do cinquentenário da primeira aparição de Nossa Senhora, na Cova da Iria, e da primeira peregrinação de um Papa, no exercício do seu ministério.

Outro acontecimento significativo para mim, quando estava já no segundo ano de História Eclesiástica: foi no dia 7 de dezembro de 1965, véspera do encerramento da quarta e última sessão conciliar. O Papa Paulo VI e o representante do Patriarca de Constantinopla assinaram um documento solene em que se fazia a declaração mútua de perdão das excomunhões que tinham sido proferidas em 1054, naquela cidade. Um gesto simbólico daquele dia foi a deposição, pelo enviado de Constantinopla, de nove rosas vermelhas (tantos os séculos que decorreram, desde o cisma do Oriente), no túmulo do Papa Leão IX, que tinha enviado a delegação a Constantinopla e tinha ocasionado a mútua excomunhão por parte do Patriarca Miguel Cerulário e do chefe da delegação pontifícia, Cardeal Humberto. 

Cinquenta anos depois da abertura do Concílio e da minha ordenação sacerdotal (15 de agosto de 1962), lembro os momentos felizes que vivi, em Roma e em Portugal, não esquecendo sobretudo as peregrinações dos Papas Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI ao Santuário de Fátima.

Padre Luciano Cristino, Diocese de Leiria-Fátima

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