Francisco e Jacinta para os dias de hoje

No contexto da peregrinação das crianças ao Santuário de Fátima, a ECCLESIA falou com a Irmã Ângela Coelho, vice-postuladora da Causa dos Pastorinhos, que deu conta do esforço contínuo da organização em apresentar a vida dos beatos Francisco e Jacinta

Agência Ecclesia (AE) – Como é que a mensagem dos pastorinhos Jacinta e Francisco chega às crianças do século XXI?

Irmã Ângela Coelho (AC) – Os pastorinhos, que foram crianças do início do século XX, têm bastante a dizer às crianças do século XXI. Ainda que com 100 anos de diferença, a natureza humana essencialmente não vai mudando. O ser humano é o mesmo.

Em primeiro lugar na relação com Deus. O maravilhoso da Jacinta e do Francisco é que são crianças que nunca deixaram de ser crianças. Foram sempre fiéis à natureza.

As aparições não mudaram a sua forma estrutural de ser. Continuaram a ser crianças porque morreram crianças e por isso, continuam a ser exemplos muito próximos nos dias de hoje. Gostavam de brincar, gostavam da família, gostavam de estar uns com os outros. O que aconteceu de novo nas suas vidas são as aparições do Anjo que potencializaram características próprias: a abertura ao transcendente, a Deus, à sua relação com Jesus e Nossa Senhora; a disponibilidade para o que Deus vai fazendo deles e a confiança.

Os pastorinhos ensinam-nos isto – a confiar e a não nos fecharmos a uma relação com Deus. Com orações simples, com ofertas à sua medida mas que revelam uma abertura a Deus e à transcendência.

 

AE- Que importância tem a peregrinação das crianças no contexto da mensagem de Fátima?

AC – Está a tornar-se numa das maiores peregrinações no Santuário. Maio, outubro e agosto eram meses fortes e agora a peregrinação do 10 de junho das crianças está a tornar-se numa das maiores.

Há toda uma adaptação da celebração e das atividades às crianças para que elas entendam, desde os gestos à própria oferta que levam para casa.

É também importante porque com as crianças vêm os adultos, os pais e os avós, os catequistas e tios. O Santuário fica colorido e evidencia-se a vivência da família. Penso que se está a tornar importante por isso, pela presença das famílias.

Creio que uma criança que em pequena vem a Fátima, nunca mais o esquece. Por muito que a sua vida na juventude e idade adulta a afaste de Deus, fica esta semente.

 

AE – O que é que as crianças veem? Os beatos, Jacinta e Francisco, ou o Santuário em si?

AC – Penso que veem as duas coisas. Por uma questão prática é no Santuário de Fátima que se encontram os restos mortais dos pastorinhos. O espaço acolhe a custódia da Capelinha, que é o grande tesouro do Santuário, com a imagem de Nossa senhora de Fátima, mas também a custódia dos beatos que estão lá sepultados.

O Santuário sempre teve a preocupação de ir transmitindo a figura do Francisco e da Jacinta, enquanto exemplos concretos com que as crianças se podem relacionar. Os cânticos, os presentes estão também relacionados com os pastorinhos – porque eram crianças como eles.

Para uma criança desta idade é difícil perceber, no abstrato, que há uma mensagem. O que é fácil perceber é que houve um menino Francisco, como eles, que gostava de um Jesus escondido e que eles podem aprender nas suas paróquias a fazer companhia ao Jesus escondido, por exemplo antes da missa. É fácil perceber que houve uma menina Jacinta que gostava muito de Nossa Senhora e que por isso, rezava todos os dias o terço. Eles também o podem fazer.

Para as crianças é mais acessível ter modelos concretos com os quais se podem relacionar. O Santuário de Fátima tem feito um esforço para apresentar estas duas dimensões. Creio que as crianças levam na retina a procissão do adeus, mas levam também o exemplo concreto dos dois beatos.

 

AE – Eram crianças muito diferentes?

AC – Sim, eram crianças muito diferentes antes das aparições do Anjo e depois das aparições essas diferenças vão acentuar-se. O Francisco era um menino dócil, pacífico e que gostava de estar sozinho para contemplar a natureza. Era muito amigo da irmã. Os pastorinhos dão-nos uma grande lição a nível familiar.

Os pastorinhos foram o que foram – e Nossa Senhora encontrou naquelas crianças um terreno tão bom para trabalhar – porque os pais já os tinham educado nos valores humanos e cristãos. A família e as relações eram muito estruturadas. É um desafio às nossas famílias de hoje.

O Francisco era tranquilo. A Lúcia disse que se ele crescesse o seu pior defeito seria o «não te rales». Não gostava de brigas ou lutas.

A Jacinta era mais extrovertida, mais brincalhona, mais espontânea. Tinha o defeito de amuar quando as coisas não lhe corriam bem.

Depois das aparições houve uma mudança, sobretudo na Jacinta, no sentido de se superar a si mesma, por amor a Jesus, a Nossa Senhora e aos pecadores por quem ela ia oferecendo os seus pequenos sacrifícios – não amuar, não ficar zangada.

O Francisco vai continuar a sua capacidade contemplativa mas agora com Deus em oração. O Francisco era fascinado e centrado em Deus. Também aqui ele pode ajudar-nos, ao indicar o quanto é fundamental para uma vida espiritual saudável fazer de Deus o centro da nossa vida.

A Jacinta é muito atraente. Ao longo dos anos que tenho falado deles dou conta que a Jacinta cativa de forma muito espontânea. Tinha traços muito bonitos mas era também vivaça e as pessoas gostam dela de uma forma muito particular. Esta sua abertura transformou-se numa enorme capacidade de amar. Ela amava tudo e todos – os bons e os maus, os que via a sofrer, por exemplo o santo padre, e os que ela via que faziam sofrer, por exemplo os pobres pecadores.

Ela tinha um coração universal e assumiu o compromisso com tudo quanto viu e viveu. É um grande exemplo para os dias de hoje.

Tenho visto crianças, a quem falo dos pastorinhos, com atitudes que me comovem.

 

AE – É dessa forma que as crianças desconstroem a ideia de penitência, de oração, de reparação que são valores centrais na mensagem de Fátima?

AC – Quando apresento a vida dos pastorinhos às crianças tento focar na sua relação com Deus, que Jesus existe, que é uma pessoa com quem nos podemos relacionar, que é amigo, que está próximo e que conta connosco. E aqui falo da oração. Cada criança vai dando a sugestão de como pode rezar e ouvem-se coisas muito generosas. (…)

 

AE – São relatos de conversão que lhe chegam?

AC – Conversão ao seu nível. Eles não têm de fazer uma mudança de vida deixando o mal e aderindo ao bem. Mas recebo relatos de crianças que se superam a si mesmas, que aprendem a sair de si. Isto é fundamental. É o princípio do amor. Amamos quando saímos de nós mesmos, nos esquecemos de nós e pensamos no outro.

Naturalmente as crianças gostam de ser o centro, faz parte do seu crescimento. Mas quando a criança aprende a sair de si e a pensar no outro, é uma criança que está a fazer um enorme processo de conversão no sentido correto, no voltar-se para Deus. Os pastorinhos têm sido um exemplo prático para estes meninos.

 

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