Cuba, 14 anos depois de João Paulo II

Orlando Márquez, diretor da revista «Ciudad Nueva», Arquidiocese de Havana

Passaram 14 anos desde a anterior visita de um Papa a Cuba e, no entanto, permanece no coração e na mente de muitos cubanos a marca fresca do hoje beato João Paulo II: os seus gestos, o seu passo lento, a sua proximidade com as crianças e os doentes que encontrou, a sua voz – por vezes um sussurro, outras vezes carregada de energia para enfatizar a sua mensagem sobre a família, sobre a vida, sobre a justiça.

Talvez a crise na União Soviética e Leste Europeu, que se concluiu com o fim do socialismo real e do mundo soviético, tenha estado relacionada com a decisão de adiar a viagem. João Paulo II era visto por muitos como um dos responsáveis pelo afundamento de um sistema concebido para a eternidade. Foi responsabilizado por isso, foi tido como aliado do neoliberalismo do momento e apresentado como conspirador, com o presidente norte-americano Ronald Reagan.

Atribuir ao Papa ou à Igreja o derrube da União Soviética foi fruto de uma imaginação desmesurada ou, no mínimo, de uma leitura estritamente política de uma instituição que atua neste mundo das maneiras e modos mais variados, mas mantém a sua atenção numa realidade que não se pode entender em chave terrena.

O desafio para a Igreja é a fidelidade ao Evangelho, o repto será sempre cumprir o mandato de Cristo de apascentar e cuidar do rebanho, proteger a grei confiada para entregá-la ao seu Pastor no final dos tempos, após tê-la protegido de qualquer tentativa de afastá-la de esse seu destino último, ainda que isso implique enfrentar as forças deste mundo.

João Paulo II visitou-nos em viagem pastoral, em 1998. Em viagem pastoral visita-nos Bento XVI na Quaresma deste 2012.

Somos um país e um povo privilegiados. Bento XVI vem como peregrino da Caridade para estar connosco, no Ano Jubilar mariano que celebra quatro séculos da descoberta e presença da Virgem da Caridade na história da nossa nação.

O Papa vem do México, um país de ampla maioria católica. O número de católicos praticantes em Cuba é muito reduzido, em relação aos católicos mexicanos ou de outras nações da América Latina, mas o Papa quer estar connosco, com a minoria católica e a maioria devota à Virgem da Caridade que compõe a nação cubana; também quer aproximar-se dos que não estão em nenhum destes dois grupos.

Com efeito, Cuba celebra o quarto centenário da sua padroeira, mas, providencialmente, essa celebração tem lugar num contexto social e político muito singular, pode dizer-se que algo indefinido, como costumam ser os processos de transformação, e, por isso mesmo, diferente do contexto de há 14 anos.

Bento XVI chega a um país que está em processo de transformação, reforma ou atualização, iniciado precisamente após uma mudança de chefe de Estado e da evidência do esgotamento do modelo do socialismo real paternalista e do beco sem saída que João Paulo II tinha conhecido tão bem. Por outro lado, as relações Igreja-Governo em Cuba encontram-se hoje a um nível qualitativamente superior.

Há um risco neste processo, pois perante a ausência de outras entidades, grupos ou partidos independentes podem aspirar que a Igreja se torne o catalisador de mudanças radicais em Cuba; para outros, pode tornar-se aliada natural do Governo e não faltam os que desejam o seu enclausuramento, ainda que esse desejo seja bem mais variável segundo conjunturas circunstanciais. O importante é que tanto o Governo como a Igreja tenham claro que nada do anterior é o objetivo e saibam manter o diálogo, um diálogo ao serviço da sociedade, das suas necessidades e exigências naturais, sem renunciar a outros diálogos possíveis.

É a esta realidade que Bento XVI se vai aproximar. O Papa trará a Cuba, consigo, toda a história do papado, o mandato dado por Jesus Cristo a Pedro, nas margens do Lago de Tiberíades: “Apascenta as minhas ovelhas”.

Assim deveríamos recebê-lo, como o pastor que se interessa pelas ovelhas, cuida delas e vai ao seu encontro, conhecendo os seus anseios e aspirações, mas que vem apresentar a única mensagem autêntica: a verdade de Jesus Cristo.

Orlando Márquez, diretor da revista ‘Ciudad Nueva’, Arquidiocese de Havana

(texto na íntegra em www.iglesiacubana.org)

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