O QREN – Oportunidade que não podemos perder

D. Manuel R. Felício, Bispo da Guarda

Há muito tempo que se vive no nosso país a dificuldade de conjugar desenvolvimento com equilíbrio das contas públicas, mas também a dificuldade em promover um modelo de desenvolvimento que desfaça assimetrias e promova equilíbrio, nomeadamente entre o interior e o litoral. Também há muito tempo, isto é desde a entrada do nosso país na Comunidade Europeia, que existe um instrumento especialmente vocacionado para dinamizar a economia no todo do nosso país. Esse instrumento chamado QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional) coloca a Europa à disposição do nosso país para que este possa aproveitar da melhor maneira os fundos estruturais comunitários.

O QREN já teve várias edições e a atual edição, que expira no final do próximo ano de 2013, tem, neste momento, uma percentagem de execução que ronda os 40%. Portanto temos pouco mais de um ano e meio para colocar ao serviço da economia do país os restantes 60%. Por sua vez e também dada a falta de celeridade no aproveitamento dos fundos disponíveis, a comparticipação comunitária nos projetos do QREN apresentados tem vindo a aumentar e, neste momento, situa-se na ordem dos 85%. Por isso, só 15% são afetados à responsabilidade interna do nosso país.

Escusado é lembrar que o aproveitamento dos anteriores quadros comunitários não foi exemplar. Se o tivesse sido, a nossa agricultura e as nossas atividades pesqueiras não estariam destruídas como estão e também os fundos aplicados em formação teriam dado outros resultados, nomeadamente quanto á elevada percentagem de pessoas que, de facto, passaram por programas de formação e continuam sem exercer qualquer atividade produtiva.

Mas agora só nos interessa olhar para o passado na medida em que isso puder contribuir para nos ajudar a ganhar a batalha do futuro. E é no futuro que queremos pensar, nomeadamente no futuro próximo de pouco mais de um ano e meio que efetivamente temos à nossa frente para executar os 60% ainda não utilizados do atual QREN, a bem das nossas populações e para maior equilíbrio da nossa economia, em termos de tecido empresarial espalhado pelo todo do nosso país.

Não temos opinião sobre qual o setor do Estado que está mais vocacionado para liderar e tutelar este importante instrumento do desenvolvimento da nossa economia. Mas há critérios que o cidadão comum tem direito a ver respeitados e aplicados.

Um deles é que, se a máquina do Estado não tem os 15% que é preciso aplicar em projetos determinados para se conseguir que venham os 85% dos fundos comunitários, é preciso motivar os particulares, individualmente ou associados, para garantirem essa percentagem. Há alguns bons exemplos de particulares que, a expensas próprias, financiaram, sem recurso ao Estado ou mesmo a instituições bancárias, essa parcela de comparticipação exigida.

Outro critério é que é necessário direcionar estes fundos do QREN prioritariamente para colocar as pessoas na atividade produtiva, a começar pelo grande número de jovens que temos em Portugal creditados com diplomas de ensino superior, mas fora do trabalho.

Por sua vez é necessário que os quadros técnicos, e nomeadamente aqueles que o Estado paga, se disponham a vir para o terreno, a fim de identificarem as atividades produtivas que melhor se ajustam a cada espaço diferenciado do território nacional e para motivar as pessoas, ajudando-as a elaborar os projetos e fazendo-lhes o acompanhamento inicial indispensável para que a sua iniciativa tenha êxito.

E aqui impõe-se, também como critério, fazer uma discriminação positiva para zonas mais carenciadas, porque longe dos grandes centros e onde tudo é mais caro e difícil de conseguir. Precisamos de fixar gente nestas zonas do interior e se lhes forem criadas condições, os jovens, depois da sua formação académica e profissional, não se ausentam. Também aqui, mesmo que o Estado não disponha dos 15% necessários para garantir o financiamento dos projetos, é possível garantir o concurso da poupança, ainda bastante generalizada, das pessoas que temos espalhadas pelo nosso interior.

Mais do que reformas de gabinete anunciadas sobre o novo mapa administrativo do país, o relançamento da economia, sobretudo nos ambientes do nosso interior mais votados ao abandono, passa por esta proximidade às populações locais, para lhes dizer, na prática, como se podem vencer obstáculos e ajudá-las efetivamente a aproveitar esta oportunidade colocada pela Europa ao serviço do nosso desenvolvimento.

E agora é tempo de aprender com erros passados, porque ainda estamos a tempo de corrigir pelo menos alguns deles. Por mais que sejamos um Estado em situação de penúria extrema, temos de rejeitar cautelas exclusivamente centradas em fugir à comparticipação portuguesa na aplicação destes fundos. Pelo contrário, a todos nos é pedida a coragem de aproveitar as oportunidades que este QREN nos oferece para evitar que o desemprego continue a disparar, como está, e a economia acabe por se afundar, deixando o próprio Estado ainda mais pobre e cada vez mais incapacitado de resgatar as suas dívidas.

D. Manuel R. Felício, Bispo da Guarda

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