Apostar na proximidade

Rita Valadas, administradora executiva do Departamento de Ação Social na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e anteriormente membro da direção nacional da Caritas, fala à ECCLESIA da importância de promover uma resposta de proximidade às situações de maior dificuldade.

Ecclesia (E) – A atual crise fez reacender a necessidade de uma intervenção de proximidade para levar maior justiça e otimizar recursos?

Rita Valadas (RV) – Esse é o objeto da intervenção local da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na qual existe uma dupla ação: por especialidade, nos casos em que assim tem de ser, como os sem-abrigo ou as crianças em situação específica; localmente, no que diz respeito às famílias, aos residentes. Intervir localmente justifica exatamente essa preocupação com a proximidade. A importância de estar junto daqueles que mais precisam é um dado adquirido já há muito tempo, sabemos que para além daqueles que conseguem chegar até nós, há outros que não têm meios para isso ou que não se dariam a conhecer. É uma relação quase de vizinhos.

E – É preciso haver uma rede bem montada para que os recursos sejam canalizados de forma eficiente?

RV – Sim e a dois níveis: logo à partida, no atendimento social porque se estiver muito distante ou não tiver em conta todos os recursos locais, dificilmente os poderá rentabilizar; depois, nos equipamentos sociais que são planeados, em que é preciso uma interação entre respostas e necessidades. Por isso temos vindo a alterar algumas das finalidades dos equipamentos, adequando-as às novas necessidades que cada área vai tendo.

E – Que caminho têm a percorrer as instituições que apostam nesta proximidade?

RV – Posicionando-nos sobre a existência de recursos, às vezes podemos concluir que temos esses recursos, mas não os estamos a gerir bem. A verdade é que temos uma rede muito qualificada, mas ainda há um longo caminho a percorrer, porque é muito difícil às pessoas repensarem as suas intervenções face às mudanças e estas são cada vez mais rápidas. Isso obriga a uma agilidade, uma flexibilidade que nem sempre existe no terreno. Essa é uma das virtudes da crise, que obriga as pessoas a trabalhar em conjunto e a pensar quem é que pode chegar aos nichos que ainda não estão cobertos. Eu acho que estas circunstâncias da crise tornam as personagens de intervenção muito mais criativos e produtivos.

E – A proximidade também é trabalhada na vizinhança… É um termo que se tem falado e será de reabilitar?

RV – A vizinhança é uma palavra quase em extinção, do ponto de vista do conteúdo! Todos nós temos muitos vizinhos, todos nós somos vizinhos de alguém mas na grande maioria de nós não se conhece quem é que mora ao lado. O espaço de conversa é menor, porque as pessoas andam sempre a correr, isso ligado a uma visão egocêntrica das relações na sociedade não trouxe benefícios a ninguém. Reabilitar essa relação de vizinhança passa também por trazer as pessoas mais jovens ao contacto com estas pessoas mais antigas. A vizinhança tem coisas fantásticas e não só as coisas más que são muitas vezes avaliadas, como “a senhora que se mete na minha vida…” Se houvesse sempre alguma pessoa a meter-se na vida de alguém nós não apanhávamos tantos casos de isolamento. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem uma enorme intervenção mas sozinha não consegue fazer nada, nem nenhum dos outros organismos, é preciso congregação de esforços. E se as pessoas “não quiserem olhar para o lado”, aí também não se consegue…

E – Será também através destes tempos de crise que as pessoas voltarão a ter a “consciência do outro”, perdida em tempos de maior conforto económico? Há esperança no futuro?

RV –  Eu gostava de acreditar que sim… tenho a certeza que, se não formos falando disso e batalhando estas questões, não conseguimos. Mas eu acredito no futuro, eu sou mesmo de esperança. Não é só pelos portugueses dizerem que “a esperança é a ultima a morrer”, porque só olhando as coisas pela esfera das oportunidades e não pelos problemas é que vamos conseguir resolver alguma coisa.

E – Tem sinais que permitam constatar que há maior agilidade entre quem faz o tal apoio de proximidade e as instâncias governamentais?

RV – Eu acho que tem havido grandes esforços das duas partes. Sinto que existe uma tentativa de fazer leituras no terreno para decidir a política e acho que devemos apoiar esses movimentos. Por outro lado também há sinais ao nível dos indivíduos. Por exemplo na Santa Casa da Misericórdia nós temos cerca de 600 voluntários e, no início, só apareciam pessoas para trabalhar com crianças, hoje isso alterou-se e há pessoas a querer trabalhar com idosos. Atividades culturais, ler um livro ou fazer companhia são açoes muito importantes e as pessoas percebem, coisa que antes não acontecia.

PTE/OC/SN

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