Jornal «Imparcial», 100 anos de história de uma voz católica na I República

Os estudantes católicos de Coimbra fundaram, a 22 de fevereiro de 1912, o semanário «Imparcial», estranho nome para periódico, que irá ter muitas peculiaridades, mas jamais as de “publicação imparcial, bem pelo contrário”. Na obra «Salazar – Cerejeira: A “força” da Igreja», o historiador Pedro Ramos Brandão refere que, no primeiro editorial, da autoria do então padre Gonçalves Cerejeira, futuro cardeal-patriarca, se afirma que o «Imparcial», além de uma “publicação católica, era profundamente nacionalista”.

Nascido num contexto de profunda adversidade e confronto entre católicos e o novo regime saído do 5 de Outubro de 1910, este semanário (22/02/1912 a 12/05/1919) – órgão oficial do Centro Académico de Democracia Cristã (CADC) – está indelevelmente ligado a um dos períodos de “maior crispação entre o Estado e a Igreja, porventura alguma vez verificado em Portugal”, escreve António Rafael Amaro, num artigo «O “Imparcial”, um jornal de combate (1912-1919)”.

Neste contexto, estava aberta, em Coimbra, uma “guerra sem quartel” entre católicos e os republicanos que “infringissem as leis de Cristo”. Salazar terá destaque nesta luta, bem como neste periódico ao expor as suas ideias: nos primeiros tempos do «Imparcial» pode-se ver teses de Salazar como «… educar é dar a Deus bons cristãos, à sociedade cidadãos úteis, à família filhos ternos e pais exemplares», «… na escola nem todos devem ser tratados igualmente…», lê-se na obra de Ramos Brandão (página 37).

Este jornal hebdomadário – completaria cem anos de vida a 22 deste mês – manteve sempre uma relativa regularidade e quando terminou somava 341 números. Os jovens católicos ligados ao «Imparcial» “nunca temeram o confronto de ideias”, deixando claro, desde o início, que o que estava em jogo eram conceções do mundo perfeitamente antagónicas: de um lado, “todos os que viam na lei da separação do Estado das Igrejas a materialização política e jurídica de uma perspetiva laicizadora da humanidade, assente no primado da cientificação de todos os fenómenos sociais e na desalienação religiosa”; do outro, “todos aqueles que contestavam esta ideologia por entenderem ser a religião e todo o património cultural, social e espiritual da Igreja inalienável e imprescindível para a felicidade e boa política dos povos” (cf. trabalho de investigação de António Rafael Amaro).

Definidos os campos e a essência do antagonismo, o periódico “não enjeitou o papel de liderança do movimento católico” e pelas suas páginas passaram, porventura, os ataques “mais certeiros e mortíferos” contra os projetos laicizadores da jovem República.

Sendo um espectador atento e interessado na evolução das “ideias conservadoras” no resto da Europa, este órgão informava, de forma minuciosa, os sucessos conseguidos pelas ideias de Maurras e de outros autores conservadores. Estas ligações ideológicas foram sempre claramente assumidas pelo «Imparcial» e aos adversários que acusavam o jornal de reacionário, responderam sempre que era precisamente essa a sua linha e os que assim o chamavam mais não faziam que “lisongear o [seu] orgulho” («Imparcial», 28 de março de 1912, nº6, Ano I).

O primeiro diretor, padre Gonçalves Cerejeira, escreveu mesmo na passagem do primeiro aniversário deste semanário que este revelou “uma geração moça confiante no futuro e forte na fé, esperança auroral de um amanhã mais ditoso” («Imparcial, 8 de abril de 1913).

Umbilicalmente ligado ao CADC, este jornal “polémico e de combate” (segundo investigação feita por Manuel Braga da Cruz) tinha um formato alongado com quatro páginas e, inicialmente, a impressão era feita em Aveiro (Tipografia Silva). A necessidade de recorrer a uma tipografia fora da cidade de Coimbra deve-se ao facto de na cidade do Mondego ninguém se encontrar disponível para imprimir um jornal que, declaradamente, se assumia como católico e disposto a contestar as leis republicanas. A este propósito, o primeiro diretor escreveu: “Em Coimbra imperava o medo. Ninguém nos imprimia o jornal”

A primeira redação do «Imparcial» instalou-se na Rua da Matemática, mas pouco tempo depois (ainda no primeiro ano de vida) mudaram de instalações (Rua da Trindade), ao lado da sede do CADC.

Ao longo dos sete anos de existência, o «Imparcial» conheceu cinco diretores. O primeiro, e que correspondeu ao melhor período do jornal, foi Gonçalves Cerejeira (22 de fevereiro de 1912 a 12 de julho de 1914). Seguiram-se-lhe: D. José Manuel de Noronha, Pestana Reis, Manuel de Lemos e, por último, Bento Coelho da Rocha.

Sendo a cidade de Coimbra, ao tempo da implantação da República, o único centro universitário do país, a vivência destes acontecimentos teve episódios intensos. Neste «diálogo» entre católicos e republicanos, coube ao «Imparcial» – a exemplo de outra imprensa católica – resistir aos ventos laicizadores da República com o apoio de uma plêiade de jovens católicos, fogosos na fé e voluntariosos no espírito de serviço.

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