Diácono Albino Martins, Cachopo – Diocese de Faro
A freguesia de Cachopo fica localizada no “outro Algarve”, em plena Serra do Caldeirão. Apesar de pertencer ao concelho de Tavira, dista desta 43km.
A falta de emprego e a desertificação, bem como o fecho ou a redução de horários nos serviços do Estado, leva a que os jovens, após constituírem família partam em busca de sustento, longe do seu torrão natal.
Cachopo, perde em média, desde 1950, cerca de 500 habitantes por década. Apesar de ser a terceira maior freguesia do Algarve em área (197 Km2), com 46 montes/lugares habitados, o mesmo não corresponde em número de habitantes. Já somos só 650 habitantes. Os montes/lugares eram bem mais (52), mas infelizmente “já enterrei alguns montes”, visto ter presidido às exéquias do último habitante desses lugares.
Os que aqui ainda trabalham, permanecem e ainda sonham, bem merecem o trabalho pastoral e social que aqui desenvolvo com a minha família (casal mandatado pelo então Bispo do Algarve, D. Manuel Madureira Dias), vai 22 anos.
A nossa primeira preocupação foi a reestruturação e revitalização da Paróquia.
Encontramos uma comunidade cristã (ou melhor, um grupo de cristãos, por herança) que muito voltada para o culto dos mortos (missa de defuntos) enchia a Igreja ao ritmo da quantidade de intenções. A sensação foi que a tarefa não iria ser nada fácil… era necessária muita dedicação… esforço e talvez até… sofrimento!
Antes de mais havia que superar duas falsas imagens de Igreja, infelizmente demasiadamente enraizadas na comunidade:
1. Uma Igreja sacramentalizada, fruto de um cristianismo por herança… por terem nascido no seio de gente 100% cristã… batizados ao nascer, crescendo numa família que não vive nem celebra conscientemente a fé.
Tomamos consciência que havia de dar lugar a uma comunidade formada por pessoas que fizeram uma opção livre por Jesus e sua mensagem… que quisessem caminhar.
2. Uma Igreja clericalizada foi a segunda imagem chamada a desaparecer do nosso projeto. O sacerdote que havia deixado a paróquia por motivos de saúde, foi durante 56 anos, tudo!
Fruto disso encontramos cristãos infantis, incapazes de assumir responsabilidades no seio da comunidade.
Vimos que havia de dar lugar à corresponsabilidade. Desenvolver a nossa ação nas três direções pastorais: a Profética (através dela suscitando e educando a fé), a Litúrgica (celebrando a fé) e a Caritativa (pelo testemunho da caridade, evidencia-mos a fé que professamos).
Os montes (lugares da freguesia), foram visitados aos poucos. Atentos às distâncias que separam esses lugares da sede da freguesia, sensíveis aos Km percorridos a pé por pessoas demasiado idosas, conscientes do mau estado das estradas, começou-se a ser presença nesses lugares, catequizando e celebrando nos mais populosos e centrais, de forma que dos montes vizinhos para lá convergissem).
Aos poucos, na Eucaristia dominical começaram a “respirar-se outros ares”. Um núcleo de pessoas assíduas e já despertas, começaram a preparar toda a liturgia e a celebrar de forma participada
No campo da ação caritativa, assumiu a Paróquia a gestão de um equipamento social de apoio a idosos (propriedade da Segurança Social), nas valências de “Centro de Dia” e “Apoio Domiciliário”. Deu corpo e criou o Centro Paroquial de Cachopo, ereto canonicamente em 6 de abril de 1990.
Depois de 11 longos anos de construção, tem em funcionamento desde há dois anos e meio, um Complexo Social, para as Valências de Lar (30 idosos), Centro de Dia (15 idosos), Apoio Domiciliário (50 idosos), para além de um Centro de Convívio, no lugar de Feiteira (12 km da sede), para 20 idosos.
Procurámos junto dos funcionários (atualmente 38) que tratem os idosos com carinho, vendo neles a própria imagem de Cristo. Moldámos os seus corações para juntos partilharmos com os idosos a vida e a compreensão, visto não terem alguns, capacidades físicas e mentais para sozinhos se bastarem.
Em 15 de agosto de 2007 criou-se a Cáritas Paroquial de Cachopo, no sentido de que a ação caritativa fosse mais abrangente, descendo ao concreto da justiça social, a partir da comunidade e exclusivamente com recurso a voluntários, estimulando os valores do Evangelho, para que com o testemunho pessoal, se alcance a dimensão de uma comunidade fraterna e solidária.
Do interior do Algarve queremos denunciar as injustiças, sendo a voz dos que não têm voz e buscando soluções junto dos organismos oficiais estatais.
Também às famílias deixamos um grito de “revolta interior”. Não deixem os idosos entregues a eles próprios. Ainda que tenham que se apoiados pelas Instituições Sociais no terreno, continuem a visitá-los com frequência. Nós só somos o que somos, graças ao amor que eles nos dispensaram no nosso crescimento e formação enquanto filhos e ao seu labor em prol das comunidades onde viveram.
Sou testemunha de muito sofrimento. As lágrimas derramadas por idosos, doentes e acamados, vivendo sozinhos e com medo da noite, a todos deve envergonhar! Nada nem ninguém deve substituir o calor humano da família.
Quero a terminar agradecer à minha esposa (Cláudia) e filhas (Débora e Raquel, aqui nasceram há 20 e 16 anos) o percurso inverso. Deixar Vila Real de Santo António e em Cachopo fixar sede de Missão e desde setembro de 2011, alargada a Martim Longo e Vaqueiros. ”Sacrifício” que sabemos vale a pena, sobretudo quando se apoia cidadãos que merecem viver com dignidade, serenidade e coragem.
Diácono Albino Martins, Cachopo – Diocese de Faro