Dar e partilhar num ciclo virtuoso

Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, fala à Agência ECCLESIA da importância de entender a partilha como motor da mudança pessoal e social, também no tempo da Quaresma.

Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, viu o seu percurso de vida distinguido pelas 21 edições da revista ‘Reader’s Digest’ na Europa, que a escolheram como personalidade do ano de 2012. Esta responsável fala à Agência ECCLESIA da importância de abrir o coração aos outros e de entender a partilha como motor da mudança pessoal e social, também no tempo da Quaresma.

Agência ECCLESIA (AE) – O trabalho do Banco Alimentar ajudou a passar a ideia de que a partilha, mesmo nos mais pequenos gestos, faz a diferença?

Isabel Jonet (IJ) – O Banco Alimentar norteia a sua atividade por dois valores, a dádiva e a partilha, que estão intimamente ligados. Aquilo que propõe às pessoas, ao longo destes 20 anos, é que partilhem aquilo que são e aquilo que têm, doando aquilo que são e aquilo que têm para quem não teve as mesmas oportunidades.

Essa proposta tem germinado, tem frutificado e, de alguma forma, tem mudado a maneira de ser, a maneira de encarar a vida de muitas pessoas. Por um lado, são recuperados diariamente excedentes de produtos alimentares que teriam como destino provável a destruição – embora estejam bons e haja pessoas que deles se encontram privados: há pessoas em empresas, mercados, cadeias de distribuição, que optam por partilhar esses produtos. Por outro lado, nas grandes campanhas de recolha, há pessoas que partilham o seu tempo, sendo voluntários; há pessoas que partilham os seus bens, comprando para pessoas mais pobres igual ao que compram para a sua casa, nessa semana; há empresários que partilham o espaço e aceitam que estas campanhas tenham lugar.

Há aqui um efeito multiplicador desta partilha que pode gerar ciclos que são virtuosos e alterar a maneira como se vive.

Os últimos anos têm sido difíceis, certamente, mas é nestes anos que têm sido abertos mais Bancos Alimentares, por exemplo. As pessoas vêem que esse é um modelo que funciona e que é multiplicador. O facto de haver um projeto de bem fazer que gera uma partilha tem permitido criar solidez.

 

AE – Essas preocupações vão de encontro à proposta de jejum e partilha de bens, feita pela Igreja Católica durante a Quaresma, que não se limita a pedir o que sobra?

IJ – Nós já vemos que durante as campanhas as pessoas não se limitam a dar o que sobra, têm tido uma atitude proativa, doando produtos para quem precisa. Eu penso que o jejum quaresmal é mais um tempo de purificação e entendo que a privação tem sentido porque nos permite uma purificação, uma reflexão até sobre quais são os bens de que efetivamente necessitamos e aqueles que deixamos invadir a nossa vida.

O jejum não é apenas de alimentos; é até muito mais de práticas, de procedimentos, de atitudes, relativamente às quais já nem damos significado, mas que ocupam demasiado tempo na nossa vida.

Este tempo da Quaresma pode ter muito sentido para refletirmos sobre aquilo que não é necessário e nos tira tempo para outras coisas, nomeadamente para Deus. Vejo, por isso, o tempo de jejum como um tempo de preparação, de purificação, de reflexão, em que vemos aquilo que negamos a outros e, ao negarmos a outros, negamos a Deus.

 

AE – Há alguma marca distintiva da caridade, enquanto atitude e prática cristã?

IJ – Para mim, há. A caridade é amor, serviço ao próximo, porque ele faz parte da nossa vida. É também dar só aquilo que a outra pessoa efetivamente quer receber, com a humildade de perceber o que não é caridade.

A solidariedade é um pouco diferente, tem mais a ver com o direito, é algo que incumbe ao Estado, que deve ser garantido, que não implica necessariamente a questão do amor-serviço, do amor-despojamento, do amor porque somos instrumentos do amor de Deus e porque quando amamos outras pessoas estamos a amar Deus através delas. Penso que há aqui uma diferença grande.

 

AE – Vai receber o prémio de personalidade do ano das edições europeias da ‘Reader’s Digest’. O que significam para si este género de distinções?

IJ – A entrega do prémio [quarta-feira, às 17h00] vai ser aqui, no Banco Alimentar, em Lisboa [Estação Alcântara Terra] precisamente porque esse tipo de prémios são um reconhecimento para toda uma equipa que tem o mesmo espírito de caridade e de bem fazer em vários pontos do país. Por isso, vão estar presentes os presidentes dos Bancos Alimentares em atividade, que vêm o seu trabalho reconhecido desta forma. Este reconhecimento, que é europeu, permite também distinguir o trabalho dos Bancos Alimentares em toda a Europa.

Eu nunca entendo nenhum reconhecimento, nenhum prémio, como sendo para mim, mas para toda a equipa. Agora, cada vez que nos é entregue um prémio, há uma responsabilidade redobrada, porque há quem espere ainda mais de nós, o que vai fazer com que tenhamos de trabalhar ainda mais e melhor, porque há mais gente à nossa espera.

OC

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