D. António Couto assume no domingo uma nova missão, como bispo de Lamego, e apresenta as suas prioridades em entrevista à ECCLESIA
D. António Couto assume no dia 29 deste mês uma nova missão como bispo de Lamego, após ter sido nomeado por Bento XVI a 19 de novembro de 2011. O prelado, de 59 anos, substitui no cargo D. Jacinto Botelho, bispo de Lamego desde o ano 2000, e apresenta as suas prioridades, em entrevista à Agência ECCLESIA.
Agência ECCLESIA (AE) – Está prestes a entrar na Diocese de Lamego. Como é que se vai apresentar a esta porção do Povo de Deus?
D. António Couto (AC) – Como sempre me tenho apresentado, quer aqui nas Igrejas portuguesas, nomeadamente em Braga, quer nos diversos continentes por onde tenho andado. Sempre o procurei fazer com a máxima simplicidade e de uma forma afetiva, é importante que nós possamos aparecer de forma mais próxima das pessoas, sempre fiz assim e também o irei fazer em Lamego.
AE – É a dimensão do Pastor preocupado com todas as ovelhas, desde as que estão em primeiro plano às mais humildes, aquelas que estão mais esquecidas por vezes?
AC – A minha atenção será para com todos sem exceção, desde os doentes, as crianças, os idosos, o que vivem mais abandonados, que é aquilo que se pede a um pastor. Vou procurar passar pelas zonas onde existem pessoas solitárias, visitar tudo o que houver, desde hospitais, escolas, centros e lares, instituições que hoje acolhem uma parte substancial da sociedade portuguesa, e levar-lhes o calor e o amor da mensagem do Evangelho.
É obvio que não se pode descurar aqueles que são os principais agentes da pastoral, como sacerdotes, diáconos, seminaristas, religiosos, catequistas, toda as pessoas que trabalham nesta área. A minha ideia é mesmo pôr a Igreja de Lamego toda em movimento, isto é, que cada pessoa tenha algo para fazer. Que todos aqueles que têm coração, mãos, vontade, inteligência e pés para andar se ponham a caminho para levar aos outros aquilo que está no Evangelho.
AE – De que forma é que a sua ligação à área missionária poderá funcionar como mais-valia para a Diocese de Lamego?
AC – Eu pretendo, antes de mais, contar com cristãos convictos e, como sabemos, ser cristão também passa por ser missionário. A missão não é qualquer coisa que vem depois, faz parte da essência do cristão, que tanto deve estar aberto ao vizinho do lado como àquele que está longe. Trata-se de uma experiência que eu vivo desde há muito tempo, que me marcou e continua a marcar fortemente e espero encontrar em Lamego cristãos bem abertos e que estejam sempre a ver alguém que está à espera deles.
AE – Para além desta dimensão da missão, é também um homem da Palavra, que conhece a Bíblia quase página a página. Como é que essa sensibilidade pelas Escrituras, pela força que ali está contida, poderá influenciar a sua presença na Diocese?
AC –É verdade que eu dedico muito tempo à Palavra de Deus, ao estudo, à escuta, meditação e oração. Para mim, não basta conhecer o que está escrito na Bíblia porque, como diz São Paulo, a Palavra de Deus é um poder, é algo que atua, e para isso nós temos também que a anunciar aos outros. Antes de partirmos para a parte do ensino e da pregação, temos de transmitir o Evangelho aos outros, com toda a força e carinho, e isto é algo que eu pretendo fazer aqui ou preparar outras pessoas para que também o façam.
É preciso conhecer o Senhor da Escritura, que se esconde nas sílabas, nos sons, na fonética, porque é ele que eu pretendo levar às pessoas e não o texto, que por si só não fala e pode ser deitado fora.
AE – Vai ao encontro de uma população com uma prática religiosa intensa mas de caráter tradicional, não muito estruturada em termos do conhecimento das realidades da fé. Faz parte dos seus objetivos transmitir às pessoas uma fé mais esclarecida?
AC – Hoje estamos num tempo de formação, fala-se dela a todos os níveis, desde a formação permanente, e é evidente que a Igreja também tem de se servir desse meio. As crianças já têm um ritmo de formação permanente, quase semanal, que é a Catequese, mas os jovens e adultos têm poucas coisas e os idosos não têm quase nada. É preciso pôr toda a gente em formação e penso que a Igreja tem de abrir os olhos para esta realidade.
É preciso pegar na Palavra de Deus e na cultura da Igreja, colocá-la ao serviço de todos, no coração de todos, e para isso precisamos de agir de maneira diferente. Eu não sei se conseguirei fazer as coisas de outra maneira, mas penso que com a ajuda de outras pessoas poderemos todos saborear uma nova maneira de ser Igreja e de ser Missão.
Às vezes, as pessoas afastam-se da Igreja porque têm vergonha, porque têm uma ideia menos correta do que ela significa. Mas quando perceberem o que é feito, quer em termos de escuta da Palavra quer em termos de dinâmica social e caritativa, penso que elas se doarão a estas causas e é um pouco isso que eu quero ajudar a fazer.
São Paulo dizia que a caridade é inventiva até ao infinito e essa é uma característica essencial para todos aqueles que hoje fazem parte de dinâmicas como a Palavra de Deus, a Missão e sobretudo da Nova Evangelização.
AE – O facto da diocese de Lamego ter neste momento um clero jovem e numeroso, quando comparado com outras regiões do país, poderá ser de alguma forma uma mais-valia para a concretização destes projetos?
AC – Eu pretendo que todos se coloquem neste serviço, sacerdotes, agentes pastorais e leigos, com a devida formação, ninguém deve ficar de fora. Que todos possam ajudar a formar uma rede grande de atividade pastoral.
Penso que já passou o tempo em que bastava o padre falar do cimo do altar para as pessoas na Igreja ouvirem e tentarem fazer. Hoje nós temos de ir ter com as pessoas, onde vivem, e falar-lhes através de uma dimensão muito pessoal, tocando o coração de cada um. Será por aí que nós ganharemos as pessoas, muito mais até do que através de discursos, porventura bonitos.
É isto que eu pretendo fazer nesta diocese, que, apesar de não ser muito povoada para o tamanho que tem, dizem-me que conta neste momento com cerca de 144 mil pessoas. Tocar no coração de toda esta gente vai ser obra, só uma pessoa não chega, preciso da ajuda de todos para levarmos mesmo isto ao sítio onde as pessoas são sensíveis, porque só assim é que a comunidade se tornará mais aberta, mais dinâmica e mais viva.
AE – Esse número das 144 mil pessoas ainda poderia ser reduzido, uma vez que temos assistido a uma desertificação desta região, sobretudo jovens que saem bastante desta zona. Trata-se de uma questão humana e social mas também é um desafio para a Igreja?
AC – Penso que será um desafio para todos, para a Igreja, para as instâncias da política, para todas as instituições, será com certeza um problema ver uma zona que se vai desertificando e ficando cada vez mais envelhecida e enfraquecida. Penso que o espaço de Lamego, como qualquer outro do país, seria muito mais equilibrado se tivesse crianças, jovens, adultos e idosos. Se ficar uma mancha muito sobrecarregada e outra mais diluída, e refiro-me a qualquer idade, é evidente que a população fica desequilibrada e isso nota-se mesmo na saúde mental, afetiva, e porventura é isso que nós estamos hoje a viver.
Mesmo em Braga, há algumas paróquias pequeninas, com sessenta ou setenta idosos e depois duas ou três crianças, um ou outro jovem, que se calhar saem de manhã para a escola e vão para longe, de autocarro ou de carro, e que regressam já de noite, não têm peso sequer. Penso que em Lamego há situações idênticas e isto, à partida, é difícil de combater, não vamos sequer tentar isso, vamos é mostrar às pessoas que mesmo assim podemos fazer uma vida muito mais bela e mais feliz, a partir daquilo que Deus nos dá.
Não há aqui nenhum programa político, o grande programa há de ser ditado por Deus e eu acredito que ele nos saberá dizer como nos deveremos comportar junto das diversas pessoas que aparecerem. Não há soluções básicas para estes problemas mas há pessoas com coração, com mãos, com língua, que nós deveremos abordar com a mesma alegria e dinamismo.
Vamos também despertar os jovens para poderem estar atentos a isto e visitarem os mais idosos, levando-lhes carinho e força.
AE – Tem reforçado a importância da Igreja ir ao encontro das pessoas mas, no que diz respeito a escutar as pessoas, a Igreja ainda tem muitas vezes o tique de ensinar tudo e nada ter a aprender…
AC – É verdade, hoje é preciso muito ouvir as pessoas, essa será uma das áreas em que talvez teremos de investir mais tempo. Não se trata apenas de ter uma página pronta para ler ou ditar às pessoas, fazer um ditado com o Evangelho. Jesus nunca fez isso às pessoas, ele entregou-se às pessoas, foi ter com doentes, com velhinhos, com crianças, e isso implica um investimento de tempo diferente.
Como nós sabemos hoje, se os bispos e sacerdotes estiverem afogados em atividades burocráticas ou em outras celebrações que já estão marcadas poucas hipóteses terão de pôr em prática esta dinâmica de aproximação. É uma das coisas que eu vou tentar corrigir também na minha vida, às vezes ficamos muito presos nos livros e nas coisas já preparadas e irei tentar desfazer-me um pouco disso para ter mais tempo para as pessoas.
AE – Tendo em conta que estamos a poucos dias da sua entrada em Lamego e a grande expectativa e curiosidade criada em redor deste acontecimento, em poucas palavras, o que é que as pessoas podem esperar de si?
AC – Podem esperar que eu lhes leve o Evangelho de Jesus Cristo e o máximo de humanidade, de simplicidade, de liberdade e de caridade. Depois, no meio disto tudo, está obviamente a presença de Deus. Espero que quando as pessoas vierem ao meu encontro, não seja apenas uma relação bilateral, entre duas partes, mas que vejam uma terceira pessoa, que é Cristo.
Se eu conseguir fazer isso, a minha vida será transparente até ao ponto de, em mim, poderem ver referências de um caminho verdadeiro. Se apenas me virem a mim, mesmo que vejam o melhor de mim, nunca verão grande coisa.
PTE/JCP