«Ao princípio pode pensar-se que a ligação entre surdos e música não é tão imediata. Mas tem sido um sucesso», diz maestro
Lisboa, 04 jan 2011 (Ecclesia) – O coro da Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Lisboa, acolhe pessoas surdas que cantam com o corpo, substituindo a voz que lhes falta por gestos e coreografias que exprimem o alfabeto musical dos ritmos, notas e poemas.
A admissão de deficientes auditivos começou há um ano, e segundo o maestro, Sérgio Peixoto, tem conseguido resultados positivos: “Ao princípio pode pensar-se que a ligação entre surdos e música não é tão imediata. Mas tem sido um sucesso”, afirmou ao programa ECCLESIA na RTP-2, transmitido a 28 de dezembro.
“Ao explicarem-me que o objetivo era mostrar a arte das pessoas surdas, em paralelo com a dos ouvintes, fiquei com muita curiosidade. Estamos todos no mesmo mundo, só que de formas diferentes”, conta Cláudia Veiga, coralista deficiente auditiva.
Num mundo sem sons apuram-se os outros sentidos: “Não sei o ritmo nem as notas mas sinto a vibração em mim e percebo se ela é rápida ou lenta e que sentimento transmite. O que eu não faço ideia é o que as pessoas estão a cantar”, diz Débora Carmo.
“Os surdos podem ter uma música de luzes, movimento e gestos. É uma música visual”, explica por seu lado Patrícia Carmo.
“Não tenho acesso direto à música mas faço do poema a minha música”, acrescenta.
Joana Pereira, uma das tutoras do curso de Língua Gestual Portuguesa da UCP, explica que entre os coristas deficientes auditivos há um grupo que adapta os poemas das composições “à vida dos surdos e à forma como sentem as coisas, de acordo com a sua língua e cultura”.
Alexandre Castro Caldas, diretor do Instituto de Ciências da Saúde, entidade responsável pela licenciatura, explica que para os surdos “a capacidade de lidar com a música é algo interior”, particularidade que se manifesta nos ensaios e nas atuações.
“Tenho de ter em atenção que os surdos seguem o ritmo”, observa o maestro, realçando que a sua batuta tem de ser seguida por todos os elementos do coro, o que por vezes exige gestos específicos para ouvintes e deficientes auditivos.
O reitor da UCP, Manuel Braga da Cruz, considera que esta é uma das atividades representativas do “espírito” da Universidade, que quer “integrar a diferença e fazer da diversidade uma força”.
A diretora executiva do Coro, Rita Ferreira, gostava de mostrar a iniciativa a nível internacional mas falta o financiamento: “Estamos a tentar arranjar mecenas que nos ajudem a levar este projeto mais longe; os nossos coralistas, ouvintes e não ouvintes, merecem que seja apresentado porque é inovador em termos mundiais”.
O acolhimento dos deficientes auditivos no coro constitui uma tentativa de aproximação à sociedade: “A comunidade surda luta, alerta e diz ‘olhem para nós, somos pessoas como vocês’. É preciso uma adaptação de parte a parte”, assinala Débora Carmo.
“Eu sei relacionar-me com as pessoas e escrevo na língua da comunidade maioritária; eles é que não sabem a minha”, vinca Cláudia Veiga.
“A dificuldade não é minha mas da sociedade, que deve estar preparada para nós”, prossegue.
Uma reivindicação que nem sempre acontece: a comunicação pode ser “cansativa” e “stressante” se o interlocutor “não tiver vontade” e não “fizer esforço”, refere Patrícia Carmo, que em casa só ‘fala’ linguagem gestual porque o marido também é deficiente auditivo, à semelhança do filho do casal.
PTE/RJM
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