Anciãos na Bíblia

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM

Quando se fala do Deus da Bíblia, sobretudo no Antigo Testamento (AT), vem-nos imediatamente à cabeça um Senhor Ancião. Assim tem sido representado na iconografia cristã das nossas igrejas. Assim o vemos na pintura genial de Miguel Ângelo, no Juízo Final da Capela Sistina: o dedo do Ancião, Deus Criador, a tocar no dedo do jovem Adão, primeira criatura – o Velho Pai e o jovem filho (Humanidade).

Esta representação iconográfica assenta na simbólica mítica da cosmovisão das Escrituras Hebraicas. Podemos apresentar como texto significativo desta cosmovisão do Deus Ancião a pequena narrativa de Daniel 7, 9: “Eu continuava a olhar e foram preparados tronos. Um Ancião de longa idade sentou-se num dos tronos. A sua roupa era branca como a neve e o seu cabelo, branco como a lã pura”.

Esta ideologia parte da história antropológica das grandes civilizações do Próximo Médio Oriente dominada pelos homens de idade. São os célebres Patriarcas com as suas mulheres e filhos, rebanhos e terras, servos e escravos, que dominam a sociedade familiar, tribal, nacional. Estes Pais-Patriarcas, no AT, estão na origem do povo de Israel (Abraão, Isaac, Jacob e os Doze), detentores das bênçãos de Deus que, por sua vez, passam aos seus filhos (masculino) primogénitos. É o Conselho dos Anciãos (zequenîm) que tudo determina na federação das doze tribos de Israel, com o poder legislativo, executivo e judicial (Ex 3, 16. 18; Nm 11, 6. 24; Dt 5, 23). Assim acontece também, no tempo de Jesus, com o Sinédrio do povo (Mc 8, 31: “É preciso que o Filho do Homem sofra muito, e que seja rejeitado pelos Anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos doutores da Lei…”).

Trata-se, pois, duma antropologia cultural em que o rei, o pai da tribo, o pai de família tem todos os deveres e direitos. Por isso mesmo, lemos no Ben Sira 3, 1-16 a cartilha dos deveres dos filhos para com os pais: “Ouvi, filhos os direitos do vosso pai, / procedei de modo a serdes salvos. / Porque Deus quer honrar o pai nos filhos / e, cuidadosamente, firmou sobre eles a autoridade da mãe. / Aquele que honra o pai, / alcança o perdão dos seus pecados…”. Este conceito, no Novo Testamento, aplica-se aos “presbíteros” (que significa “anciãos”), que devem presidir às “igrejas” cristãs primitivas, segundo as cartas pastorais a Timóteo e Tito (1Tm 3, 1-7; 5, 17: “Os anciãos (presbyteroi) da igreja que desempenham bem a sua missão merecem dupla recompensa, principalmente os que trabalham na pregação e no ensino”; 5, 19: “Não aceites nenhuma acusação contra um dos anciãos da igreja…”; Tt 1, 5-6: “Quando te deixei em Creta, foi para acabares de organizar o que ainda faltava e para nomeares os anciãos da comunidade dos crentes em cada localidade…Tem de ser um homem a quem ninguém tenha nada que criticar…”).

Jesus nunca apresenta semelhante cartilha cultural. Rompeu com os códigos de tipo familiar, atitude que produziu espanto e escândalo nos seus familiares, discípulos e grupos religiosos judeus do tempo. O mesmo aconteceu com o Paulo histórico, que escreveu sete cartas, das quais as cartas pastorais a Timóteo e Tito não fazem parte. Mas algumas igrejas primitivas reveem-se nos códices culturais judeo-cristãos.

Em conclusão, os “anciãos” dominam a sociedade culturalmente patriarcal típica da geografia humana da Bíblia, a quem se deve respeito e honra. Pertence à inteligência humana das nossas sociedades democráticas e dos direitos humanos fundamentar os direitos dos anciãos respeitando a tradição e a história.

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM

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