Homilia do bispo da Guarda na Noite de Natal

Nesta Noite de Natal, ao Menino de Belém aplicam-se as seguintes palavras de S. Paulo a Tito, hoje escutadas: “Manifestou-se a Graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens”. Porque manifestação sublime de Deus, este Menino dirige a todos nós hoje e a toda a Humanidade uma importante mensagem que o mesmo S. Paulo resume em três palavras, a saber: temperança, justiça e piedade. São três convites que vamos agora considerar.

Pelo convite à temperança, ele diz-nos que temos de saber usar os bens materiais que Deus criou para todos nós sem cairmos na tentação de abusar deles. Para isso, precisamos de cultivar, cada vez mais, a virtude da sobriedade, o que implica abandonar deliberadamente certos hábitos de consumo exagerado para os quais temos estado a ser sistematicamente solicitados e a solicitação continua. Saber usar os bens materiais sem nos deixarmos seduzir por eles é o convite que este Menino hoje nos faz, na festa do Seu Nascimento. Dar-lhe uma resposta positiva é a única forma de colaborarmos com responsabilidade na definição dos novos caminhos que a nossa sociedade precisa de seguir para vencer todas as crises.

 

Ao recomendar-nos a justiça, em nome do Menino de Belém, S. Paulo aponta-nos o caminho da solidariedade, a qual envolve uma correta distribuição dos bens criados e das oportunidades que dão acesso a eles. E, falando de solidariedade, ficamos contentes com os últimos resultados das recolhas feitas, a nível nacional, para o Banco alimentar, que representam evidentes sinais positivos reveladores da generosidade das nossas gentes, mesmo em tempos de crise. Também ficamos contentes com as muitas iniciativas de assistência social existentes, baseada no voluntariado e na partilha de géneros que, de muitas maneiras, se fazem, para ir em auxílio dos mais necessitados, sobretudo de bens essenciais. Esta é também uma nota muito positiva na avaliação que fazemos à capacidade de partilhar das nossas gentes. Mas viver a solidariedade, nos momentos difíceis que estamos a atravessar, em que o desemprego cresce e todos os dias somos confrontados com a notícia amarga de que unidades de produção existentes nos nossos meios ficam desativadas e outras que legitimamente se esperava que fossem criadas não aparecem, nestas circunstâncias falar de solidariedade envolve a coragem de partilhar não apenas o supérfluo, mas também aquilo que nos é mais necessário. Está a chegar o momento em que, em nome da solidariedade, temos de pedir àqueles que têm emprego que o partilhem com aqueles que o não têm, dispondo-se, porventura, a ganhar menos para que outros também possam ganhar alguma coisa. O desemprego que é a grande praga nacional, tem crescido, como sabemos, nos nossos meios e os indicadores apontam para que ele continue a crescer, pelo menos nos próximos dois anos. E nestas circunstâncias aqueles que têm emprego vão ser necessariamente interpelados a fazer mais alguns sacrifícios para ajudar aqueles que o não têm. Pode mesmo acontecer que esses sacrifícios tenham de ser feitos para garantir a própria sustentabilidade das empresas das quais depende o próprio emprego. Há alguns bons exemplos, nos nossos meios, de responsabilidade social, também no que diz respeito à colaboração na sustentabilidade das empresas por parte dos seus trabalhadores conjuntamente com os responsáveis pela administração. Partimos do princípio de que uma empresa é, hoje mais do que nunca, um bem social cuja sustentabilidade merece o sacrifício de trabalhadores e administração. É previsível que também estas formas de solidariedade nos sejam pedidas, no exercício da nossa responsabilidade social, nos próximos tempos, tanto mais quanto verificamos que o direito das nossas terras a medidas específicas de apoio ao desenvolvimento, esta á a ser esquecido e alguma discriminação positiva que ainda tínha­mos acabou.

Ao falar-nos de piedade, S. Paulo lembra a relação com Deus que é decisiva para todos nos realizarmos como seres humanos. A relação com Deus diz-nos que somos todos membros de uma única família sentada á mesma mesa presidida pelo pai comum. E que a mesa está posta para todos e que é nossa responsabilidade fazer com que nenhum dos membros desta família se sinta marginalizado ou excluído da refeição. Ora, é mesmo esta responsabilidade que o Pai comum nunca retira a nenhum dos seus filhos e isso faz com que a responsabilidade na gestão dos recursos que a natureza oferece a todos umas vezes seja bem exercida outras vezes não. E é precisamente a má gestão destes recursos que hoje está a ser um grande problema gerador de crises sem fim à vista.

Nós acreditamos que a mensagem do Natal, baseada em valores de fundo como a sobriedade e a solidariedade, a que nos referimos, mas também no respeito por instituições determinantes para o bem estar dos cidadãos, como é a instituição familiar, há de fazer a diferença positiva na procura de saída para as crises, tanto esta como outras que certamente hão de vir.

Que o menino de Belém nos ilumine a todos e nos ajude a assumir corajosamente as atitudes de combate ao mal-estar que as circunstâncias nos impõem. Certamente que vamos ter pela frente situações de sofrimento, mas a esperança que nos vem do Presépio e a capacidade de partilhar que o próprio Deus feito menino nos inspira são as grandes forças que nos ajudarão a vencer.

D. Manuel Felício, bispo da Guarda

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