Chamados a Marcar este Tempo

Margarida Alvim, Fundação Fé e Cooperação

“Que este tempo que se abre diante de nós, fique marcado concretamente pela justiça e pela paz.” Num tempo profundamente marcado pelo sentimento de crise, falência, desânimo e escuridão, Bento XVI clama (como voz no deserto) por sinais de esperança na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2012. Uma mensagem que tem como foco principal os jovens como agentes de mudança, chamados a ser fermento de confiança no novo ano que começa.

Este apelo é sem dúvida pertinente. Não apenas pela coragem e idealismo próprios da juventude, aos quais o Papa apela. Mas também porque serão os jovens os principais protagonistas da História após esta crise. História que se tem construído e que se constrói de exílios e desertos, alternados com tempos de prosperidade, momentos de primavera e fases de profundo inverno.

Os jovens são a classe etária mais afetada por um grande flagelo desta crise, o desemprego, atual e futuro. Muitos destes jovens, que no seu tempo de vida podem nunca ter experimentado sérias dificuldades, enfrentam agora famílias com pais desempregados, com situações precárias, famílias desestruturadas que a crise ainda mais destabiliza. Mais do que voltar rapidamente ao que se tinha, sente-se a urgência de marcar este Tempo com mudanças estruturais profundas na sociedade, encontrando respostas ajustadas aos desafios atuais. Os principais protagonistas destas mudanças, serão precisamente estes jovens. É urgente e pertinente um trabalho de reflexão, formação e mobilização deste grupo, estimulando a resposta e consolidação das redes sociais em que estão inseridos. Este acompanhamento passa sem dúvida pela Educação, que é antes de mais espaço de atenção e abertura.

 

“Educar os Jovens para a Justiça e a Paz” é o título da mensagem de Bento XVI, com uma atenção especial às famílias, às instituições educativas, aos políticos e aos media, para além dos próprios jovens. A educação como lugar de abertura é recorrentemente referida. Mais uma vez com tanta pertinência. De que forma é que todos estes meios educativos têm sido para os mais novos espaços de abertura? Espaços de encontro consigo próprios, com o outro, com o Mundo, na sua diversidade. Espaços de descoberta da sua verdade e da verdade da Humanidade que não se diz a si mesma, que não se soluciona por si própria, que é por natureza aberta a uma realidade maior, que a transcende.

Para ser construtores de Justiça e de Paz, é condição essencial conhecer e valorizar a condição humana em todas as suas dimensões. Cada Pessoa, pelo que é, pelo que é chamada a ser, como ser que só se define em relação com o outro, descobrindo a fraternidade. Até que ponto é que a nossa sociedade tem sido espaço de abertura para esta descoberta? Que processos e modelos de desenvolvimento têm sido implementados? Que estilos de vida têm vindo a ser promovidos? A grande frustração que parte da Humanidade atravessa atualmente, clama por hábitos de consumo que não são agora possíveis, por qualidade de vida que se anseia poder voltar a ter… ter menos e descobrir com criatividade o valor do ser e do estar é um desafio para as novas gerações, que vivendo bem esta experiência, poderão ser motores de sociedades mais justas e pacíficas, onde todos têm um lugar ajustado, digno. A descoberta de novos modelos de sociedade será um processo educativo para todos, onde sem dúvida os jovens serão um motor. “Educar a sociedade para a Justiça e Paz através dos Jovens” poderia ser o título da Mensagem de Bento XVI.

Para a descoberta do seu papel na construção da “cidade dos homens”, são tão importantes experiências fortes de abertura ao outro, diferente de mim. Experiências em que cada um se confronta consigo próprio e com a sua realidade, com a realidade humana e da Humanidade. Experiências de esvaziamento, em que se ganha a chave da Liberdade, sublinhada por Bento XVI. Liberdade de nos percebermos não como seres absolutos, cheios de respostas eficientes para o mundo, mas sim como seres em construção, limitados, muitas vezes sem soluções, mas com capacidade de ver para além das dificuldades e tribulações.

 

A FEC (Fundação Fé e Cooperação, ONGD da Conferência Episcopal Portuguesa) revê-se no apelo de Bento XVI para o novo ano. Através da Rede de Voluntariado Missionário, a FEC tem há mais de 10 anos o privilégio de acompanhar experiências de voluntariado internacional que envolvem todos os anos centenas de jovens. O voluntariado revela-se como espaço privilegiado para esta abertura, pela integração em projetos que promovem a justiça junto de comunidades mais vulneráveis, mas que sobretudo promovem a reflexão e a procura dessa justiça na vida de cada um dos voluntários. Tem vindo também a ser cada vez mais preocupação da FEC, através da Rede Fé e Desenvolvimento, a promoção de espaços de reflexão e formação que contribuam para uma participação mais informada e ativa dos cristãos na sociedade, com especial atenção aos movimentos de jovens.

Num tempo de dura realidade em Portugal é importante não nos fecharmos em nós próprios, é urgente perceber que a crise que atravessamos está intimamente relacionada com relações desajustadas, connosco próprios, com os outros, com a natureza, com o Mundo. Conhecer outras realidades, outros pontos de partida para a vida, outras formas de estar, outras necessidades, fazem-nos sair de nós e acordar para o significado transcendente da justiça, de que Bento XVI fala. Justiça que é muito mais que a convenção contratualista, de relações humanas de direitos e deveres, mas antes e sobretudo relações de gratuidade, misericórdia e comunhão, inscritas na identidade profunda do ser humano. Eis a Marca que somos desafiados a deixar neste Tempo!

Margarida Alvim, Rede Fé e Desenvolvimento, Fundação Fé e Cooperação

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