Um Natal no Burquina-Faso

Ana Luísa dos Anjos Prego, Franciscana Missionária de Maria

Ainda recordo o primeiro Natal que vivi no Burquina-Faso. Foi em 1998. Uma temperatura de 40º não me dizia que estava em dezembro, no Natal. Tive a sensação de estar a celebrar outra festa: “não seria o 15 de agosto, a Assunção de Maria ao céu??” Era o meu primeiro contacto com outro clima.

Na cidade de Bobo-Dioulasso não havia nenhuma decoração nas ruas, nem montras cheias de diferentes iguarias. O Natal para mim foi reduzido ao essencial: “um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz” (cf. Isaías 9, 5). Pois nós aqui “inventámos Consoadas e Meninos em palhinhas; fizemos árvores, luzinhas, embrulhos e embrulhadas, muitas coisas e coisinhas que não valem mesmo nada; e do Natal, do seu sentido profundo, dessa Luz que veio ao Mundo, nem sinal” (poema de Luís Santiago).

Como acontece frequentemente no Burquina, a maioria dos nossos vizinhos era muçulmana. No Natal vieram saudar-nos e ofereceram-nos uma travessa de arroz enriquecido com carne e legumes a fim de celebrarmos o nascimento de Isa al Masih (Jesus). Para eles é um profeta, para nós é o Filho de Deus; mas sempre senti muito respeito da parte deles.

Um facto curioso acontece nas diferentes Missas do Natal, apesar do controle apertado dos párocos: as mulheres muçulmanas que não conseguem engravidar vêm comungar (dir-se-á antes comer a hóstia consagrada), fazendo-se passar por cristãs. Mas porquê? Porque querem engravidar e não conseguem e vão dizendo uma às outras: “comigo resultou”; “fui à comunhão das cristãs e dias depois engravidei”!

A Missa da Meia-noite, tradicionalmente chamada missa do galo, foi ao ar livre devido ao número elevado de participantes; cada um levou o seu banquinho. Recordo a pobreza das vestes da maioria dos que estavam ao meu lado, algumas com buracos; mas todos se apresentam muito lavados. Foram cerca de três horas de celebração; ninguém tinha pressa de ir embora para comer as rabanadas e os perus recheados, que nas mesas não existiam. Houve alegria, partilhas espontâneas, boas festas simples e essenciais. O Evangelho foi encenado tão realisticamente que até se ouviu o grito de dor de Maria dando à luz a Jesus! Coisa impensável para nós, que estilizámos aquele nascimento como se de humano não se tratasse!

Em comunidade também reinava a simplicidade: um pequeno bolo e galinha assada era o nosso jantar. Nem prendas nem luzes, apenas um presépio na capela. E, no entanto, muito mais sofisticado do que o Natal da maioria.

A minha presença entre os mais pobres ajudou-me a simplificar algumas coisas na minha vida: não são imprescindíveis os sinais externos de Natal, pois quando Jesus nasceu não trazia sinais externos da Sua divindade. Vivi cinco Natais nesta simplicidade com os cristãos do Burquina. Hoje ainda procuro mais simplicidade, tentando agarrar-me ao essencial: Deus pobre e humilde.

Ana Luísa dos Anjos Prego, Franciscana Missionária de Maria

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