Johanna Touzel, porta-voz da COMECE
Neste final de dezembro de 2011, a União Europeia está mais do que nunca no meio da tormenta. A cimeira que se acaba de concluir, em Bruxelas, deu à luz a uma solução discutível: os chefes de Estado propõem, com efeito, a elaboração de um novo Tratado Europeu. É pouco provável que isto represente uma resposta adequada. Além disso, as agências de notação não se deixaram enganar: no dia seguinte à cimeira, consideraram as medidas anunciadas pelos chefes de Estado como insuficientes.
Aquilo que estamos a viver é realmente um sopro de Europa intergovernamental, ou seja, liderada pelos chefes de Estado e de Governo. Nesta configuração, são os Estados mais poderosos que se impõem aos Estados de pequenas dimensões. A falta de controlo democrático sobre as decisões que estão a ser tomadas tem um impacto direto a nível económico, social e fiscal. Parece que os chefes de Estado quereriam usar o método intergovernamental para ir além do controlo democrático nacional. É por isso que se torna urgente voltar ao método comunitário, como tinha sido concebido pelos pais fundadores da Europa, onde a Comissão Europeia, independente dos governos e garantia do bem comum europeu, comanda a UE sob o controlo do Parlamento Europeu, eleito democraticamente.
A falta de transparência e o défice democrático que caracteriza as decisões atualmente tomadas pelos nossos chefes de Estados nos seus conclaves em Bruxelas devem inquietar-nos e fazer-nos reagir.
Mas na prática, que podem oferecer a Igreja Católica e os cristãos neste tempo de crise? Como observou recentemente D. Adrianus van Luyn, presidente da COMECE [Comissão dos Episcopados Católicos da Comunidade Europeia], “a Igreja Católica também não tem uma estratégia coerente, os planos de ação ou respostas feitas para estes desafios. No entanto, pode propor a sua ajuda na reflexão e elaboração de soluções”.
Na sua sessão plenária, em outubro, os bispos da COMECE declararam as causas da crise são estruturais e estão principalmente enraizadas em decisões políticas tomadas nas últimas décadas, com vistas curtas e, muitas vezes, motivadas por razões eleitorais. Estas escolhas refletem frequentemente o comportamento individual consumista financiado a crédito. Na situação atual, uma cultura de recriminação não leva a lado nenhum. Os europeus devem permanecer unidos e solidários para superar a crise atual. Além disso, uma crise não é necessariamente sinónimo de declínio: podemos fazer dela uma oportunidade de avançar para uma renovação. Os bispos da COMECE estão cientes de que soluções técnicas e de curto prazo não são suficientes. Portanto, enfatizaram a necessidade de adotar uma visão de longo prazo para as instituições europeias e o modelo socioeconómico que elas defendem. Deve ter particularmente em conta o melhor interesse da geração jovem, pois esta arrisca-se a ser uma das principais vítimas da crise.
Os bispos da COMECE aprovaram ainda uma declaração sobre a economia social de mercado, um conceito que foi introduzido no Tratado da União Europeia pelo Tratado de Lisboa. O texto, intitulado “Uma comunidade europeia de solidariedade e responsabilidade” será publicado em vários idiomas a partir de janeiro de 2012. As raízes do conceito de economia social de mercado baseiam-se na herança filosófica e religiosa, especialmente a cristã, da Europa. Por esta razão, pareceu oportuno e legítimo abordar este conceito a partir da perspetiva da Igreja Católica. A economia social de mercado incarna um justo equilíbrio entre os princípios da liberdade e da solidariedade. Refere-se ao respeito pela dignidade de todos os seres humanos e a uma proteção especial dos mais fracos. Esta reflexão poderia, portanto, enriquecer o debate em torno da saída para a crise e de um novo modelo de sociedade a ser inventado na Europa.
Mais do nunca, neste fim de 2011, são atuais as conclusões do relatório da COMECE, de 2007, intitulado “Uma Europa de valores”: “
A União Europeia não é um produto do destino; ela foi, em cada momento, uma construção voluntarista, frágil como toda a construção humana. Ela procura, ainda hoje, o seu caminho. Deve tomar mais consciência da sua força, que reside nos valores que integra: dignidade do ser humano e direitos humanos, paz, liberdade, democracia, tolerância, respeito pela diversidade e pela subsidiariedade, procura do bem comum sem dominação de um grupo sobre o outro. Funda-se na solidariedade entre os seus membros e na relação com os outros, em particular os deserdados. Pretende assumir a sua responsabilidade na procura de soluções para os problemas mundiais. Mais do que as instituições ou as políticas, são os valores que incarna que explicam o interesse, o prestígio e a esperança que suscita no mundo a obra levada a cabo na Europa desde há meio século. Esses valores subjacentes, esta ética implícita, não são dados transitórios. Eles mergulham as suas raízes na tradição secular do cristianismo, bem como nas tradições de outras crenças e filosofias. Esses valores e essas tradições são tão poderosos hoje como no passado. Podem e devem permanecer uma fonte de inspiração para o futuro. Só assim a construção europeia voltará a ser, para os cidadãos e cidadãs, aquilo que nunca deveria ter deixado de ser: uma fonte legítima e duradoura de segurança e o fundamento de uma poderosa esperança”.
Johanna Touzel, porta-voz da COMECE