“O Ministério Episcopal e a Senhoria de Jesus Cristo”
1. No último dia do ano litúrgico, celebramos a realeza de Jesus Cristo, exprimindo, assim, a verdade fundamental da liturgia cristã: celebramos sempre a glória de Cristo ressuscitado, que se há de manifestar plenamente no último dia, quando definitivamente vencida a morte, “todas as coisas forem submetidas a Cristo” (1Cor. 15,26), manifestando a soberania de Deus.
Designar esta glória de Jesus Cristo como realeza, fundamenta-se na tradição bíblica do Messias Rei. Descendente de David, o Messias é o Rei de Israel. Mas a Igreja celebra o triunfo da Sua ressurreição, da qual recebemos a força do Espírito para vencer em nós o pecado e a morte e vivermos na esperança da ressurreição. Mas na linguagem da fé é mais comum dizer que Cristo é nosso Senhor e menos frequentemente que Ele é o nosso Rei. O título de Senhor dado a Cristo ressuscitado é comum na Igreja primitiva. São Paulo na Carta aos Filipenses, proclamando a resposta de Deus Pai à humildade de Seu Filho, que na obediência aceitou a morte oferecendo por nós a Sua vida, proclama: “Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um Nome que está acima de todos os nomes… para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, no céu, na terra e sob a terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fil. 2,9-11).
A palavra “Senhor”, na língua grega “Kúrios”, tem uma grande nobreza. Na primeira tradução grega da Bíblia foi usada para exprimir o nome divino. Os imperadores romanos exprimiram a glória do seu império, que chegou à proclamação da divindade do imperador, com o título de “Senhor”. César é Senhor, era a expressão com que se saudava o imperador. Vemos, assim, toda a grandeza desta afirmação de Paulo: Cristo é Senhor para glória de Deus Pai.
2. A Palavra de Deus conduz-nos na compreensão da “Senhoria” de Jesus Cristo. Ela não se afirma como a grandeza dos senhores deste mundo. Ele próprio proclama diante de Pilatos: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo. 18,36). Exprime, antes de mais, a sua divindade. “Senhor tornou-se no nome de Deus”. Na primeira geração, cristãos houve que foram martirizados porque se recusaram a dizer “César é Senhor”, porque o seu Senhor era Jesus Cristo. Esta dimensão está bem expressa na fórmula de oração “meu Senhor e meu Deus”.
Mas na nossa história de salvação, no concreto das nossas vidas, esta Senhoria manifesta-se no amor com que nos resgata para a vida, dando a vida por nós, dom que renova em cada Eucaristia que celebramos. Este amor está bem expresso na imagem do Bom Pastor. Ele é o Bom Pastor, porque encarnou na Sua experiência humana o amor de Deus pelo seu povo, como escutámos no Profeta Ezequiel: “Eu próprio tomarei cuidado das minhas ovelhas… Eu hei de olhar pelas minhas ovelhas” (Ez. 34,11-12). A Senhoria de Jesus Cristo é o triunfo da caridade. Ele identifica-se sobretudo com os pobres e os abandonados. “Aquilo que fizestes ao mais pequenino dos meus irmãos foi a Mim que o fizestes” (Mt. 25,40).
Esta identificação com Cristo permite aos que O seguem participar na sua realeza. O seu triunfo definitivo consistirá, exatamente, nessa identificação dos eleitos com Ele, o Bom Pastor. O Reino dos Céus será o triunfo da caridade, a manifestação da verdadeira dimensão do triunfo de Jesus Cristo. Crescer nesta união com Cristo e de todos em Cristo é o caminho da Igreja que ela percorre com a força do Espírito de amor.
3. Esta celebração da realeza de Jesus Cristo é, este ano, enriquecida com a ordenação de um Bispo. Pela imposição das nossas mãos será conferida ao Senhor D. Nuno a plenitude do sacerdócio apostólico. Ele será sacramento da Senhoria de Jesus Cristo. A sua Senhoria não será como a dos senhores deste mundo, mas sacramento da Senhoria de Jesus Cristo. O triunfo de Nosso Senhor e Redentor deve exprimir-se em toda a sua vida. Sacramento de Jesus Cristo ele é pastor do seu Povo. O Bispo é sacramento de Cristo Bom Pastor, o que transforma toda a nossa vida. Somos chamados a ser dom sem hesitação e sem limites, a tomar a sério as Palavras de Jesus: “o que fizeres ao mais pequenino dos meus irmãos é a Mim que o fazeis”. A caridade é a expressão central do ministério do Bispo, porque é sacramento da caridade de Jesus Cristo, que lhe pede que a exprima com o seu amor de homem. O Bispo deve fazer que aqueles de quem é Pastor se sintam amados por Cristo, o nosso Bom Pastor.
Mais um Bispo é sempre um dom de Deus à sua Igreja. Agradeçamos ao Senhor, neste dia, este dom à Igreja de Lisboa que, nas circunstâncias presentes, tanto dele precisa. Quando uma Diocese, pelas suas dimensões, é servida por vários Bispos, eles têm de ser, na sua comunhão de fé e de caridade, testemunho vivo do único Senhor. Há um único ministério episcopal; em comunhão, também com os nossos presbíteros, queremos ser pastores desta Igreja, e manifestar no nosso ministério a Senhoria de Jesus Cristo. Queremos que, através do nosso ministério, esta Igreja se sinta amada e seja no mundo sinal do triunfo de Jesus Cristo.
Mosteiro dos Jerónimos, 20 de novembro de 2011
D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca