Iniciativa da Irmandade de São Roque pretende honrar aqueles que até na morte foram esquecidos pela sociedade
Lisboa, 02 nov 2011 (Ecclesia) – Um grupo de voluntários da Irmandade de São Roque, ligada à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, acompanha diariamente, até à última morada, todos aqueles que morrem na solidão e sem deixar nome.
Em entrevista à ECCLESIA, no âmbito do Dia dos Fiéis Defuntos que a Igreja Católica celebra hoje, a impulsionadora do projeto, Ana Campos Reis, diz tratar-se de um “último ato de cidadania”, que veio também preencher uma “lacuna” existente dentro daquela instituição de solidariedade social, sobretudo ao nível dos sem-abrigo.
“A própria disponibilidade de estar já é levar alguma dignidade ao ato, o simples facto de se fazer um momento de silêncio, de oração, de levar uma flor”, sublinha esta enfermeira de 57 anos.
Desde 2004, o grupo de voluntários da Irmandade de São Roque já ajudou a levar até à “última morada” cerca de mil pessoas – homens, mulheres e bebés cujos corpos não foram reclamados nem por parentes nem amigos.
Para Ana Campos Reis, esta realidade “é quase a validação de como é que as pessoas vivem na nossa sociedade, como é que alguns acabam por morrer sem ninguém”.
“O que é que andamos cá a fazer, como é que temos exercido as nossas profissões, na sociedade, para que haja tanta gente ainda que acabe nesta situação sem nome? É como não ter nada”, lamenta.
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As cerimónias fúnebres, asseguradas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, têm lugar na Basílica dos Mártires, onde todos os anos são invocados os nomes daqueles que partiram no esquecimento.
Sofia Fonseca, uma das seis voluntárias do grupo, explica que são sobretudo a “fé” e o “respeito pelo ser humano” que a levam a participar.
“Se ninguém as conhecia, não é a minha presença que irá fazer diferença ao mundo, mas fará diferença àquela alma”, destaca.
Para uns, saber pormenores acerca da pessoa que se está a acompanhar serve como uma “referência” no momento de fazer as últimas orações, para outros basta perceber que está ali “uma alma, um corpo que fez uma passagem para o Pai”.
“Rezo como se fosse um vizinho, um amigo, rezo da mesma maneira”, acrescenta Maria Luísa Nunes, que admite que esta missão a fez encarar a morte com outro sentido.
“Eu era daquelas pessoas a quem passar à porta de um cemitério fazia muita confusão, e de repente, quando me disseram para ir eu disse está bem, sem receio absolutamente nenhum, e tenho ido e faço-o com muito amor, carinho e respeito”, confidencia.
A Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa é uma associação pública de fiéis, canonicamente ereta, como espaço de oração e trabalho.
Tem no seu carisma servir a comunidade urbana em que vive através da aplicação das Obras de Misericórdia, Espirituais e Corporais, como gestos concretos da fé cristã que professa.
PTE/JCP