A Madeira em momento de viragem?

Renato Gonçalves

Ao contrário do que se poderia supor do que repetidamente se tem dito e escrito sobre a Madeira ao longo das últimas semanas, pouco se alterou de verdadeiramente substancial com as notícias sobre a situação económica regional. De qualquer modo, o ato eleitoral de 9 de outubro assinala um momento de mudança significativa da tendência de governação madeirense.

Se no plano da realidade económica e social nada se alterou com a divulgação de vários compromissos financeiros de grande dimensão anteriormente ocultados ou de difícil estimativa pelo público em geral, o agravamento acelerado das condições de recurso ao crédito pelo Estado português obriga à tomada urgente de medidas de redução drástica das despesas públicas com efeitos inevitavelmente penosos para as pessoas.

Os madeirenses, como de resto os portugueses em geral, não devem evitar uma avaliação fundamentada das governações do passado. Só conhecendo o maior ou menor acerto das decisões tomadas será possível persistir justificadamente num determinado rumo ou então alterar ou corrigir o que se revelar necessário. Para isso, importa atender aos resultados alcançados, em termos comparativos, embora sem esquecer as obrigações financeiras entretanto criadas.

No caso da Madeira, como no caso de todas as finanças portuguesas (do Estado, das autarquias, das empresas públicas…), e independentemente das situações variarem de setor para setor, o objetivo principal que agora se coloca é o de credibilizar as políticas públicas.

A perda dramática de credibilidade do Estado português junto dos mercados financeiros esgotou a possibilidade de continuar a recorrer ao crédito externo, desde o o segundo trimestre de 2011, obrigando à apresentação de um pedido de ajuda de emergência ao Fundo Monetário Internacional (a segunda maior ajuda de sempre concedida pela instituição a um Estado, após a da Grécia) e à União Europeia.

Inequivocamente, a falta de comunicação de um conjunto muito substancial de obrigações financeiras da Madeira não favoreceu o esforço do Governo português de credibilizar as finanças nacionais num momento tão difícil. Pelo contrário. Se os juros nos mercados (secundários) da dívida portuguesa não se agravaram após a divulgação daqueles compromissos, isso só se deveu ao peso proporcionalmente reduzido em relação ao total da dívida do país e à (pelo menos aparente) determinação do Governo nacional no controlo das contas.

Apesar de muito grave, do ponto de vista financeiro, a situação da Madeira não é a principal causadora (longe disso) da situação de emergência que também atinge Portugal, em resultado de políticas de despesa dificilmente sustentáveis. Ora, estando todos «no mesmo barco», a atravessar a «enorme tempestadade» das dívidas soberanas, há que enfrentar as dificuldades em conjunto, responsavelmente, orientados pelo princípio da solidariedade. Nesse sentido, é essencial que tanto na Madeira como nas restantes partes do país se tenha a perceção clara de que o contributo de cada parte da sociedade para o objetivo comum é justo, não discriminatório ou penalizador para ninguém.

Tal como Portugal não consegue solucionar o seu problema financeiro e económico sem ajuda do exterior, também a Madeira necessita da solidariedade nacional neste momento particularmente difícil, com efeitos sociais nocivos que exigirão um acompanhamento constante dos responsáveis — sem esquecer, no entanto, que as soluções sólidas para este tipo de problemas económicos e sociais dependem sempre, no médio e longo prazo, de taxas positivas e sustentáveis de crescimento.

Renato Gonçalves, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, madeirense

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