Economia portuguesa: uma economia com futuro

1. Realizou-se em Lisboa, no passado dia 30 de setembro, uma conferência com o tema em epígrafe, que reuniu centenas de participantes.

A Conferência foi promovida pela rede Economia com Futuro – um conjunto de investigadores e professores de economia e de outras ciências sociais pertencentes a distintas Universidades que se propõem contribuir para a renovação do pensamento e do discurso económicos e sua aplicação ao conhecimento sobre a economia portuguesa e os seus problemas.

Prescindindo do esperado ponto de interrogação no final do tema da conferência, os seus promotores quiseram deixar claro o seu pensamento de que a economia portuguesa – e com ela a sociedade – não está condenada à estagnação e ao empobrecimento de muitos, nem à desigualdade crescente, pesem embora as dificuldades e perplexidades do momento presente e o temor com que, com razão, são encarados os impactos das medidas de austeridade em curso.

Como se dizia na abertura da Conferência – e cito as palavras do Prof. José Castro Caldas, coordenador da Comissão permanente da Rede “Economia com futuro”:

Na nossa diversidade, incumbe-nos hoje, e nos dias que se seguirão, procurar respostas para a pergunta que paira nesta sala: “Como é que vamos sair disto?”.

1 – Como é que vamos sair de uma trajetória de recessão induzida pela austeridade que, podendo reduzir a base fiscal mais do que o antecipado em cenários irrealistas, nos levaria, de ‘derrapagem’ em ‘derrapagem’, como na Grécia, à descoberta permanente de desvios colossais e à sujeição a novas e infindáveis exigências dos credores?

2 – Como é que vamos evitar, no imediato, a catástrofe social iminente decorrente de um desemprego crescente e não apoiado, num contexto de ausência de crescimento?

3 – Como é que vamos afirmar, perante quem decide na UE, a nossa recusa da via punitiva para a redução do défice e da dívida e a nossa rejeição de uma configuração institucional do Euro que serve alguns e não todos os seus membros?

4 – Como é que vamos desenvolver formas de ação coletiva, de associação, de solidariedade e de iniciativa económica capazes de dar resposta às necessidades mais prementes?

5 – Como é que vamos construir caminhos para a Economia do Futuro – uma economia menos desigual, menos precária, mais solidária e mais sustentável ambiental e socialmente – para lá da situação de emergência em que nos encontramos hoje?

 

2. Sabemos que estas interrogações não encontrarão resposta dentro do para-digma que subjaz à teoria e à política económica dominantes, mas poderão encontrá-la numa ciência económica renovada que atente aos fins últimos da economia e aceite a complementaridade de outras disciplinas, uma ciência que recoloque no centro do seu objeto o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas e o bem comum.

Conceitos como Aliança, Promessa, Fronteira, evocados por Elena Lasida, Professora da Faculté des Sciences Sociales et Économiques do Institut Catholique de Paris, deixaram pistas interessantes para alimentar uma nova visão da raciona-lidade económica que vá para além do mero contrato ou do comportamento egoísta e hedonista do agente económico e outros falsos pressupostos em que assenta a teoria convencional.

Respondendo à questão “Economia para quem? Economia para quê?, Elena Lasida introduziu da melhor forma a temática desta conferência, interpelando a assistência a não se conformar com um debate em torno da mera bondade dos meios antes de se questionar acerca dos fins por eles visados. E, quanto a estes, lembrou que, em sua opinião, a economia serve para “criar relações que façam com que cada pessoa possa sentir que ocupa um lugar na sociedade e que tem algo original e único para contribuir para um projeto de vida em comum”.

3. No decurso da conferência, o debate desenrolou-se em três dimensões: Portugal no Mundo; Portugal na Europa e Portugal por dentro. É que, se não podemos ignorar que a economia portuguesa tem de ser pensada e construída necessariamente num contexto mundial e no quadro da União Europeia e das suas instituições, há, no entanto, especificidades – limitações, recursos e desafios – que não devemos ignorar e subestimar.

A crise revela que se vêm acumulando e agravando as disfuncionalidades do sistema vigente, como está patente na progressiva degradação das condições de vida e de trabalho por parte de largos estratos de população, no desemprego massivo, na inegável insustentabilidade ambiental, na maior desigualdade e elevada concentração de riqueza, etc., disfunções estas que constituem séria ameaça para a própria democracia e para a paz.

Se não quisermos correr o risco de um tremendo retrocesso civilizacional e de ver emergirem sérios conflitos sociais, teremos, pois, de avançar, com urgência, pelo caminho da democratização da economia, encontrando meios de enquadrar e conter o poder, hoje quase absoluto, do dinheiro e do lucro na condução da economia.

O maior perigo que nos espreita é a obsessão coletiva com os equilíbrios financeiros e as medidas de austeridade que nos estão a ser impostas, a ponto de paralisar toda e qualquer iniciativa no âmbito da promoção de uma estratégia de desenvolvimento da nossa economia real, que se traduza em mais e mais eficiente produção e na valorização dos nossos recursos, incluindo os recursos humanos desempregados, e na melhoria das condições de vida dos cidadãos.

Mais do que visar um mero crescimento económico a qualquer custo, importa criar condições que melhorem, efeti-vamente, a qualidade de vida das pessoas no território em que vivem, e com a sua respetiva participação e responsa-bilização. É este o verdadeiro desenvolvimento e fim da economia e é, por isso, de toda a urgência colocar esta questão na agenda política, do governo e das oposições.

Esperam os organizadores desta conferência que ela seja o esboço de um caminho para uma economia com futuro que a muitos convoque para um desígnio comum de prosperidade, equidade e coesão social a bem da democracia e da paz.

01 outubro 2010

Manuela Silva
Membro da Comissão permanente da rede “Economia com futuro”

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