Homilia da missa da vigília na peregrinação internacional de setembro ao Santuário de Fátima

Renovados pelos dons do Espírito

Caríssimos,

É verdadeiramente uma obra do Espírito Santo aquela que estamos a ver nesta noite, assim como é um momento autêntico e belíssimo da vida da Igreja aquilo que estamos a experimentar.

 

Todos ficaram cheios de Espírito Santo

Neste início da Peregrinação Internacional ao Santuário de Fátima, sentimos como o Espírito, que desceu no primeiro Pentecostes sobre a jovem comunidade de Jerusalém, ainda hoje renova a sua prodigiosa explosão neste lugar tão rico de significado para a nossa fé.

Sim, também nesta noite o Espírito Santo faz de muitas pessoas que falam línguas diferentes um só povo, um povo que proclama as “grandes obras de Deus”. Como escreve um autor africano do século VI (Fulgêncio de Ruspas?): «Agora a Igreja, reunida por obra do Espírito Santo, exprime a sua unidade em todas as línguas. Por isso, se alguém  pergunta a um dos nossos: ‘Recebeste o Espírito Santo; por que não falas em todas as línguas?’ Deves responder: ‘Eu falo em todas as línguas, pois pertenço ao Corpo de Cristo, a Igreja que fala todas as línguas’» (Sermões 8,2).

É a Igreja em primeiro lugar que é cheia do Espírito Santo e consolada pela sua presença, que se manifesta na unidade que marca a Igreja, na sua vida e na sua missão. É uma unidade de fé, porque o dom do Espírito é para o anúncio do Evangelho. E a nós, nesta noite, é dado partilhar a mesma fé que nasce da escuta da Palavra de Deus e professar  juntos – sob a ação do Espírito – que “Jesus é Senhor!” (1Cor 12,3). E é unidade de caridade, que se exprime também na disponibilidade recíproca para a escuta e o mútuo acolhimento das nossas diversidades de carismas e tarefas.

Há ainda outro aspeto próprio dos discípulos que na primeira vez receberam o Espírito Santo e que também nós nesta noite somos chamados a reviver. Os Atos dos Apóstolos dizem-nos que entre aqueles que “estavam todos reunidos no mesmo lugar” no dia de Pentecostes (At 2,1), estava também Maria, a Mãe de Jesus, que partilhava a oração assídua e concorde juntamente com os Apóstolos,  algumas mulheres e familiares  de Jesus (cfr At 1,14). Assim é também para nós, reunidos à volta de Maria, no lugar onde Ela deu ao mundo, através da voz dos três pastorinhos, a renovada certeza da ação perseverante do Espírito de Jesus que anima a história e a conduz por entre tantos acontecimentos dramáticos, ao destino de glória preparado em Cristo ressuscitado.

Sim, caríssimos irmãos e irmãs no Senhor, nesta noite com Maria podemos renovar a nossa fé no Espírito do Ressuscitado que conduz a história: o segredo de Fátima – afirmou o então Cardeal Ratzinger – é «uma visão consoladora». Esta história de «sangue e lágrimas», da qual todos vemos  os trágicos efeitos também nos nossos dias, abre-se, na comunicação da Virgem aos três Pastorinhos, com uma visão de esperança: «No cimo da montanha – recorda o Cardeal Ratzinger , descrevendo  a visão do dia 13 de julho de 1917 – está a cruz, meta e ponto de orientação da história. Na cruz, a destruição é transformada em salvação; ergue-se como sinal da miséria da história e como promessa para a mesma».

 

Há de guiar-vos para a Verdade completa

Nesta perspetiva podemos ler também a promessa de Jesus, de que nos fala o Evangelho de João: “Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há de guiar-vos para a Verdade completa” (Jo 16,13). É uma promessa deslumbrante e fascinante, de que  Nossa Senhora em Fátima se torna, de algum modo, eco vivo e pessoal, pois o cenário das visões concedidas a Lúcia, Francisco e Jacinta é um cenário verdadeiramente universal, total: o inferno e juntamente a promessa do céu para aqueles que se convertem, a guerra e a promessa da paz, a visão do Papa, dos Bispos, da montanha com a grande Cruz. São visões, estas, que foram comparadas às do Livro do Apocalipse; são cenários grandiosos e dramáticos que contam os acontecimentos  do mundo e da Igreja que sofre perseguição e violência, mas à qual é pedida penitência e conversão em vista da salvação final.

Maria, então, faz-se voz de verdades totais, da verdade plena, da verdade de Deus e do homem, da verdade sobre o mundo na sua plenitude; neste sentido, Maria faz-se eco do Espírito Santo que nos conduz “à  verdade plena”. E nós, caríssimos peregrinos, precisamos mesmo disto, disto queremos viver: da verdade total, da verdade completa. Não nos  contentamos com verdades parciais, meias verdades, “verdades” provisórias e incertas. Procuramos pelo contrário a verdade plena, aquela que só o Senhor ressuscitado, o Cristo vencedor da morte e Senhor da história nos pode revelar através do seu Espírito.

 Precisamos de verdades que nos façam viver, que nos ajudem a descobrir e a amar o sentido autêntico da vida. E é o Espírito de Jesus Cristo que nos revela  estas verdades, que os acontecimentos de Fátima nos recordam com particular eficácia: a possibilidade de uma vida plena e definitiva no seguimento do Filho de Maria, e, ao contrário, a possibilidade de perder a nossa vida na insensatez e na solidão do egoísmo; o apelo a construir relações de paz que salvem o mundo de novos sangrentos teatros de conflito e de ódio entre os povos; mas também a certeza de que a verdade custa, que o amor pela verdade paga-se, paga-se pessoalmente  até ao dom da própria vida.

 

Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo

Neste ano, em que os peregrinos do Santuário de Fátima são chamados a “adorar profundamente” a Santíssima Trindade, pedimos – com os lábios e o coração de Paulo (cfr 1Cor 12,3-7) – que o Espírito Santo não pare de construir a unidade da Igreja harmonizando a variedade dos carismas de cada um. Pedimos que o Senhor Jesus ajude cada membro da Igreja e a Igreja toda a viver estes carismas num estilo “ministerial” ou de serviço, que é o estilo do mesmo Jesus, que “não veio para ser servido, mas para servir”. Finalmente, pedimos ao Pai de todos que infunda dinamismo e energia ao nosso agir, para que seja ela a operar em nós e assim tudo o que nós fazemos seja para o “bem comum”, isto é, para o Reino de Deus.

Assim a vida de cada um de nós e de toda a Igreja estará na “verdade plena”: será testemunha humilde e grande de Deus que é Amor!

Fátima, 12 de setembro de 2011

Cardeal Dionigi Tettamanzi, arcebispo emérito de Milão

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