Leiria-Fátima: Carta Pastoral de D. António Marto para 2011-2012

Testemunhas de Cristo no mundo

 “A vós a graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.

Todas as vezes que me lembro de vós, dou graças ao meu Deus, sempre, em toda a minha oração por todos vós. (…) E é por isto que eu rezo: para que a vossa caridade aumente ainda cada vez mais em clarividência e em verdadeira sensibilidade para discernir o que é mais conveniente, e assim sejais puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo” (Fil 1, 2-3.9-10).

 Caros Diocesanos,

Irmãos e Irmãs em Cristo:

Escolhi estas palavras do apóstolo Paulo para exprimir o afecto que me liga a vós como bispo, traduzido na oração e nesta carta pastoral através da qual vos envio uma saudação fraterna.

Além disso, S. Paulo desperta a nossa sensibilidade para o tema da caridade que marcou o ano pastoral findo e que caracterizará também, numa vertente nova, o ano pastoral que começa.

Foi belo e entusiasmante o que vimos e vivemos, de perto e ao vivo, nos encontros vicariais, nas visitas pastorais e no retiro popular sobre o tema da carta pastoral “Chamados à Caridade”. Nada poderá apagar da minha memória e do meu coração a satisfação, as emoções e a comoção que me foi dado sentir ao ver como a caridade tocava fundo o coração das pessoas, ao contemplar os numerosos homens e mulheres comprometidos, generosa e alegremente, no testemunho da caridade de proximidade, de partilha e apoio junto de quem necessita ou sofre, e que não faz notícia mediática.. Creio que o ano pastoral representou um salto em frente na organização da pastoral sócio-caritativa em muitas das nossas comunidades, para deixarem transparecer a Beleza do Amor divino que sustenta e salva o mundo. É, pois, motivo de acção de graças ao nosso Deus!

O percurso do novo ano pastoral

No presente ano pastoral concluiremos o último biénio do projecto traçado pelo Sínodo diocesano. Este biénio é dedicado à missão da Igreja ao serviço da pessoa humana. Durante este ano centrar-nos-emos mais no testemunho da caridade de Cristo através das obras de justiça, de promoção do desenvolvimento humano e de paz, ao serviço da dignidade da pessoa numa sociedade justa e fraterna. Eis como o Papa Bento XVI apresenta este aspecto:

“A caridade na verdade é uma força extraordinária que impele as pessoas a comprometerem-se com coragem e generosidade no campo da justiça e da paz. (…) Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol do bem comum que dê resposta também às suas necessidades reais” (CV nn. 1.7), criando condições de vida digna e justa.

João Paulo II especifica deste modo: “a caridade tomará então necessariamente a forma de serviço à cultura, à política, à economia, à família para que em toda a parte sejam respeitados os princípios fundamentais de que depende o destino do ser humano e o futuro da civilização. (…) Esta vertente ético-social é uma dimensão imprescindível do testemunho cristão” (NMI nn. 51.52).

Para este ano pastoral propusemo-nos três objectivos: despertar nos cristãos a consciência da sua missão no mundo em ordem à evangelização e humanização das realidades temporais; promover uma espiritualidade e uma formação do compromisso cristão na sociedade; desenvolver o apostolado laical, pessoal e associado, nos diferentes âmbitos da vida.

Como lema bíblico escolhemos uma frase de Jesus extraída do sermão das Bem-Aventuranças: “Brilhe a vossa luz diante dos homens” (Mt 5, 16). E como símbolo escolhemos a “Luz de Cristo” (Cristo, Luz do mundo) que os cristãos são chamados a levar ao coração do mundo com o testemunho da sua vida.

1. Os desafios de hoje

1.1. Por quem os sinos dobram? O fim de um mundo

No passado dia 1 de Julho, o Papa Bento XVI, evocando os sessenta anos de sacerdócio, caracterizava assim o tempo da sua ordenação sacerdotal: “ Em 1951, o mundo era totalmente diferente: não havia televisão, não havia internet, nem computador nem telemóvel. Parece realmente um mundo pré-histórico aquele do qual vimos. Sobretudo, as nossas cidades estavam destruídas; de igual modo a economia e reinava uma grande pobreza material e espiritual. Mas também havia uma forte energia e vontade de reconstruir este país e de renová-lo, na Comunidade Europeia sobretudo, sobre o fundamento da nossa fé. Assim começámos com grande entusiasmo e com grande alegria naquele momento”.

Hoje assistimos, de facto, ao nascimento dum mundo novo que é, ao mesmo tempo, fascinante e difícil, cheio de possibilidades e de contrastes tremendos.

É, antes de mais, um mundo marcado pela globalização que abriu novas possibilidades e novos horizontes a todos os níveis desde o conhecimento à mobilidade e aos mercados. Experimentamos porém como a globalização desregulada dos mercados financeiros e económicos produziu uma crise sem precedentes com consequências sociais de desemprego, de exclusão social e pobreza tremendas.

Todos reconhecem hoje que esta crise é a ponta do iceberg de uma outra mais funda e profunda que é da ordem dos valores e de défice de espiritualidade.

 O nosso mundo é plural e pluralista: nele vivem e convivem diferentes crenças, religiões e culturas, sendo, portanto, um mundo permanentemente sujeito à tentação do relativismo e do individualismo. Torna-se difícil encontrar uma plataforma de valores fundamentais comuns e partilhados por todos. As novas tecnologias seduzem a ponto de se confiar que a técnica resolva todos os problemas e nos dispense de pensar a vida pessoal, familiar e social com fundamentos sólidos. Vão-se impondo os interesses individuais enquanto se põem de parte o bem comum e a solidariedade.

Todos estes problemas criam um ambiente de incertezas, de insegurança e de medos em relação ao futuro. Estamos a viver uma certa cultura do desencanto, de crise de confiança na vida, na bondade da vida e do mundo. A crise de confiança é também uma crise de fé na outra dimensão de vida aberta ao mistério de Deus e do seu amor que salva e sustenta o mundo.

Por quem os sinos dobram? – é o título dum livro de Ernst Hemingway que escolhi para realçar a crise do momento presente. Os sinos dobram pelo fim de uma era, de um mundo, de uma estação cultural que era compacta e sólida e anunciam, tristemente, o surgir duma cultura do vazio, da desconstrução dos fundamentos sólidos (de grandes ideais, de valores, de grandes causas e projectos): uma cultura que, entretanto, se instalou na sociedade e que leva o mundo a invocar um “suplemento de alma” e uma renovada esperança de salvação.

1.2. O cristão aberto ao mundo, inserido na sociedade

A presença e a missão do cristão no mundo nem sempre foi correctamente compreendida e equacionada.

Não vai longe o tempo em que se olhava para o mundo com uma visão negativa que acentuava o desprezo ou menos apreço das realidades do mundo. É uma visão que tinha a sua origem numa espiritualidade intimista, desincarnada em que o mundo era considerado como “inimigo da alma”, como reino do mal e ocasião de pecado. Ainda hoje se nota o refúgio de muitos nas coisas ou tarefas da Igreja, onde se encontra mais protecção e menos riscos, deixando o mundo correr por sua própria conta e não se deixando contagiar por ele.

Uma outra atitude, bastante espalhada, é o divórcio entre a fé professada na comunidade cristã e a vida quotidiana na família, na profissão, na escola, nas relações económicas, sociais e políticas. É a atitude de quem vive pensando ou dizendo: “O que o Evangelho diz e propõe é belo, talvez demasiado belo… mas a vida concreta é completamente diferente”. Assim, fé e vida correm por vias paralelas: a vida privada e a vida secular, até chegar ao extremo de uma total mundanização dos critérios e valores vividos por muitos cristãos, completamente distantes do Evangelho de Jesus.

Nas duas atitudes mencionadas não há pontes que permitam o diálogo ou encontro entre a fé e a cultura. Existe, antes, a rotura ou a indiferença total.

Notamos ainda que está presente na sociedade, sobretudo na Europa, um certo laicismo agressivo e intolerante para com a presença dos cristãos e da Igreja na vida pública, social ou cultural. Manifesta uma clara hostilidade para com tudo o que é cristão e para com os próprios cristãos. Tem uma força intimidatória que leva muitos a viverem uma fé envergonhada, clandestina, com complexos de inferioridade e certo medo.

Outra tentação é fazer do cristianismo uma mera “religião civil” reduzindo-o a uma agência de moralidade pública em ordem à coesão social, a uma mera organização não governamental de solidariedade social ou instrumentalizando a Igreja em relação ao poder para fins mundanos. Assim, diluir-se-ia o específico, a novidade da fé cristã.

A fé em Jesus Cristo Salvador não permite aos fiéis desertar do mundo que Deus confiou aos homens como dom e missão para o tornar casa comum e digna de todos. O Concílio Vaticano II clarificou a relação da Igreja e dos cristãos com o mundo em termos de encontro, diálogo, solidariedade, colaboração mútua e serviço à pessoa humana e à sociedade. Hoje é assente e pacífico que a Igreja não é nem quer ser nenhum poder mundano nem estar ao serviço de qualquer poder do mundo.

“Todas as realidades humanas seculares, pessoais e sociais, ambientes e situações históricas, estruturas e instituições, são o lugar próprio do viver e do agir dos cristãos leigos. Estas realidades são destinatárias do amor de Deus; o empenho dos fiéis leigos deve corresponder a esta visão e qualificar-se como expressão da caridade evangélica” (CDSI n. 543).

O actual momento de crise que atinge toda a nossa sociedade portuguesa reclama dos cristãos este forte empenho da caridade em todas as suas dimensões, seja de proximidade seja social e política, para construir uma sociedade toda ela solidária em que todos demos as mãos para fazer face aos problemas maiores do desemprego, da pobreza e da doença.

2. Testemunhas de Cristo no mundo

Várias vezes e de vários modos, Jesus convida os discípulos a serem suas testemunhas no mundo. “Pode dizer-se que o testemunho é o meio com o qual a verdade do amor de Deus alcança o homem na história” (SC n. 85). Vamos pois meditar três passagens do Novo Testamento sobre este aspecto, na forma de “lectio divina”.

2.1. “Brilhe a vossa luz diante dos homens” (Mt 5, 16): testemunho da santidade de vida quotidiana

O contexto da passagem evangélica de Mt 5, 13-16 é o discurso das Bem Aventuranças. Este dado é importante para compreender todo este texto, mormente a expressão chave “brilhe a vossa luz diante dos homens…”. É a partir das Bem Aventuranças que Jesus define a identidade dos discípulos, a sua vocação e missão no mundo: ser sal da terra e luz do mundo. Assim é sublinhada a dimensão social da existência cristã. Quando o cristão vive o discurso da montanha dá fruto na sociedade e a sua obra não pode ficar escondida. É reflexo da luz de Deus; irradia-a inevitavelmente. Contribui para a edificação social, para a rede de relações fundada sobre o Evangelho.

A riqueza das imagens: “Vós sois o sal da terra; vós sois a luz do mundo”

Jesus usa aqui quatro imagens seguidas e entrosadas umas nas outras para caracterizar a identidade e a missão dos discípulos: sal da terra, luz do mundo, cidade sobre o monte, lâmpada sobre o alqueire.

O sal entende-se como um ingrediente que serve para catalisar o calor para o solo, para fertilizar, reavivar, animar, dar gosto, sabor e sabedoria e evitar a corrupção.

A luz faz ver o sentido do caminho, revela o verdadeiro rosto das pessoas e das coisas.

A cidade sobre o monte e a lâmpada sobre o alqueire mostram a dimensão comunitária e universal da missão dos discípulos em relação ao mundo, à história e à existência da humanidade. Quer dizer que os discípulos com o seu agir são importantes para a história do mundo. São bênção ou maldição. Não podem dizer que estão à parte porque a sua relação com o mundo e a história é algo intrínseco à sua vocação e missão.

A mensagem principal do texto: “Brilhe a vossa luz diante dos homens”

A força do texto reside na conclusão. Esta é o ponto de chegada de uma série tão rica de imagens: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está no Céu”. Esta é a mensagem principal do texto: os discípulos são sal, luz, cidade sobre o monte, lâmpada realizando as “obras boas e belas”. Quais são essas obras?

São antes de mais as bem aventuranças e também as atitudes éticas que nos versículos seguintes descrevem o comportamento novo dos discípulos, tais como o respeito pela vida humana, a dedicação ao próximo, a fidelidade ao amor matrimonial, a pureza de coração, a verdade e a sinceridade na relação, a capacidade do perdão, o construir comunidade, a paz.

Estas obras boas e belas são a primeira forma de missão e evangelização dos cristãos no mundo, são o testemunho da santidade de vida quotidiana como o melhor contributo para a renovação do mundo e da história.

2.2. “Havia um homem rico… Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão, coberto de chagas” (Lc 16,19-20): testemunho da justiça social

O Evangelista S. Lucas transmite-nos uma célebre e inesquecível parábola de Jesus sobre o homem rico e o pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31), que interpela e sacode profundamente a consciência e a conduta social dos cristãos.

A parábola tem um estilo rico de imagens e símbolos que não são fáceis de explicar. Está colocada no capítulo 16 que é todo ele um aviso luminoso e intenso sobre a posse e a utilização dos bens materiais e sobretudo das riquezas.

O contraste entre duas figuras e dois mundos: o rico avarento e o pobre Lázaro

O texto não pretende fazer uma exaltação da figura do pobre pelo facto de ser pobre, nem uma condenação do rico pelo facto de possuir riquezas materiais. O que está em causa é o contraste entre as duas figuras ou os dois mundos, o rico e o pobre. Um contraste caracterizado pela indiferença e insensibilidade do rico em relação ao pobre. O rico avarento personifica o uso iníquo das riquezas por quem as usa para um luxo desenfreado e egoísta sem cuidar do pobre que está à sua porta.

O rico não fazia nada de mal, é verdade: não roubava nem matava. Pior ainda, ele não fazia absolutamente nada. Este é o nó do problema. Para ele era absolutamente natural que Lázaro vivesse na miséria, com fome, enquanto ele vivia rodeado de bens materiais. O homem rico olhava com indiferença a miséria do mundo sem fazer nada para mudar essa situação. O seu drama foi, precisamente, o endurecimento do seu coração, a sua cegueira interior. Se não vemos e se não nos damos conta do sofrimento dos semelhantes, não temos lugar no Reino do Céu.

A página evangélica vem confirmar que não se pode servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro (cf. 16,13). O que o rico fez foi tornar a riqueza no seu verdadeiro deus, num ídolo do qual ficou prisioneiro e o tornou insensível à miséria que estava à sua porta.

O Reino de Deus e a justiça

A descrição do “mais além” usa as imagens do seu tempo (seio de Abraão, abismo, etc). Não pretende oferecer uma “geografia” da eternidade, mas mostrar os valores da justiça de Deus, advogado do pobre, e alertar sobre a seriedade e as consequências das nossas opções e da nossa conduta nesta terra.

O final do texto deixa claro que a conversão não depende de sinais prodigiosos, mas da escuta atenta da Lei e dos Profetas. Uma grande parte da Lei constitui um verdadeiro tratado de justiça social e económica que reclama a solidariedade e a partilha entre os homens. Por sua vez, a denúncia dos profetas neste âmbito toca diferentes realidades: desde a ânsia das riquezas e comércio injusto à opressão dos pobres, à exploração laboral e social (cf. Am 4, 1-3; 5, 10-15; 6, 1-7; 8, 4-7; Miq 2, 1-3; Is 1, 21-26).

O significado social e mundial da parábola

Assim, esta parábola presta-se a uma leitura em chave social e mundial, como fez Paulo VI: “Trata-se de construir um mundo em que cada homem possa viver uma vida plenamente humana, onde o pobre Lázaro possa sentar-se à mesma mesa do rico” (PP n. 47). João Paulo II aplica-a ao desenvolvimento humano integral: “É indispensável, conforme o voto já expresso na encíclica Populorum Progressio, reconhecer a cada povo igual direito a ‘sentar-se à mesa do banquete comum’ em vez de ficar de fora, à porta, como Lázaro, enquanto ‘os cães lhe vinham lamber as chagas’. Tanto os povos como as pessoas individualmente devem gozar da igualdade fundamental sobre a qual está baseada a Carta da ONU; esta igualdade é o fundamento do direito à participação de todos no processo de desenvolvimento integral” (SRS n. 33).

E na viagem apostólica aos Estados Unidos, em 1979, João Paulo II foi ainda mais explícito na homilia em Nova York : “A parábola do rico e do Lázaro deve estar sempre presente na nossa memória; deve formar a nossa consciência. (…) Cristo pede uma abertura que é mais que atenção benigna ou amostra de atenção ou semi esforço que deixam o pobre tão desvalido como antes ou ainda mais. Toda a humanidade deve traduzir a parábola em termos contemporâneos, em termos de economia e política, em termos de plenitude de direitos humanos, em termos de relação entre o ‘primeiro’, ‘segundo’ e ‘terceiro mundo’. Não podemos permanecer ociosos quando milhares de seres humanos estão morrendo à fome. Não podemos permanecer ociosos gozando as nossas riquezas e liberdade se nalgum lugar o Lázaro do século XX está à nossa porta”.

2.3. “Percorrendo a vossa cidade e observando os vossos monumentos sagrados…” (Act 17, 23): diálogo com a cultura humana

A estadia de S. Paulo na cidade de Atenas ilustra o diálogo entre a fé e a cultura (cf. Act 17, 16-34).

“Percorrendo a vossa cidade”: o conhecimento do ambiente e da cultura

Em primeiro lugar, Paulo começa por fazer uma visita à cidade para conhecer o meio em que se encontra. De facto, Atenas era a capital cultural da Grécia: uma das cidades mais belas da época, cheia de animação, de cultura como o são hoje, a seu modo, Paris, Roma ou Nova York. Paulo admira os magníficos monumentos, as ricas casas esculpidas em pedra branca, os teatros, as fontes e os numerosos templos onde se adorava uma multidão de divindades.

Além disso, a acção de Paulo desenvolve-se na “praça pública” (a ágora), aberta e profana, símbolo da democracia e da troca livre de ideias, do mundo pluralista. Aí se realizava o mercado, como também o encontro de gentes das mais variadas culturas, crenças, filosofias e se discutiam todas as novidades. Paulo também entrava neste diálogo e nesta discussão intercultural apresentando a novidade da fé cristã, suscitando estranheza, curiosidade e admiração, mas sem medo de se confrontar com a diversidade dos outros.

Tudo isto permitiu-lhe conhecer a religiosidade, a filosofia, a literatura e a arte da cultura grega e, assim, discernir nelas as interrogações, as buscas e os germenes de esperança que aí estavam presentes.

O discurso de Paulo no areópago: “Aquele que venerais sem o conhecer, é esse que eu vos anuncio”

Por fim, Paulo é convidado a ir ao areópago, à academia dos intelectuais e juízes, para fazer a apresentação da Boa Nova da fé cristã. O seu discurso no areópago é um modelo do anúncio do Evangelho num ambiente cultural diverso e adverso. Serve-se da linguagem, das referências e modalidades acessíveis ao seu auditório, valoriza o que a cultura e a religiosidade pagãs têm de positivo e autêntico, e o que as aproxima da mensagem cristã. Todavia, no final do discurso, apresenta a novidade específica do anúncio cristão que consiste num facto: Deus revelou-se pessoalmente. “Aquele que venerais sem o conhecer, é esse que eu vos anuncio”. Trata-se da revelação definitiva de Deus que se centra em Cristo ressuscitado e do julgamento a Ele associado, que exige decisão e compromisso. O diálogo não pode omitir ou diminuir a importância e a centralidade da fé em Cristo.

Paradigma do encontro entre o Evangelho e a cultura

João Paulo II considera este discurso de S. Paulo paradigmático do encontro entre o Evangelho e a cultura: “Paulo, depois de ter pregado em numerosos lugares, chegado a Atenas dirige-se ao areópago onde anuncia o Evangelho, usando uma linguagem adaptada e compreensível naquele ambiente. O areópago representava então o centro da cultura do douto povo ateniense e hoje pode ser assumido como símbolo dos novos ambientes em que se deve proclamar o Evangelho” (RM 37).

O mesmo S. Paulo, noutros lugares, nos exorta a viver no mundo plural com aquela liberdade crítica que nos leva a discernir primeiro, para depois assumir o positivo ou rejeitar o negativo. “Examinai tudo e guardai o que é bom” (1 Tes 5, 21); “Irmãos, atendei a tudo quanto há de verdadeiro, de nobre, de justo, de puro, de amável, de respeitável, de virtuoso, de digno de louvor” (Fil 4, 8).

2.4. Os cristãos “alma do mundo” ao serviço do Reino de Deus

Verificamos pois que os cristãos estão presentes no mundo, em todos os âmbitos da sociedade; e devem estar aí segundo a sua identidade, isto é, como cidadãos do mundo, fiéis ao Evangelho, guiados pela consciência cristã (cf. GS n. 76). Este é o seu modo de estar no mundo ao serviço do Reino de Deus.

A vocação dos cristãos é ser “alma do mundo”, estar dentro do mundo como “o fermento” no meio da massa.

Esta dupla atenção constitui o “paradoxo da experiência cristã” de que fala um escrito do século II: os cristãos são homens como todos os outros, participantes da vida na cidade e na sociedade, dos sucessos e falhanços experimentados pelos homens; mas são também ouvintes da Palavra de Deus, chamados a transmitir a diferença evangélica na história, a dar uma alma ao mundo, para que a humanidade possa caminhar em direcção à plenitude do Reino de Deus.

“Os cristãos não se distinguem dos outros homens nem pela sua terra, nem pela sua língua, nem pelos seus costumes. Porque não habitam cidades exclusivamente suas, nem falam uma língua estranha, nem levam um género de vida à parte dos outros (…), mas habitando cidades gregas ou bárbaras, segundo a sorte que a cada um coube, e adaptando-se no vestuário, na comida e demais género de vida aos usos e costumes de cada país, dão mostras de uma conduta peculiar, admirável e, por confissão de todos, surpreendente.

Moram nas sua respectivas nações, mas são peregrinos; cidadãos, não diversos dos outros, participam nos deveres e encargos de todos, mas tudo olham e sofrem como estrangeiros… Parecem demorar-se na terra e, na realidade, são cidadãos do Céu… Conformam-se às leis estabelecidas, mas com o seu modo de viver ultrapassam as leis… Como todos geram filhos, mas não abandonam os que nascem; põem mesa em comum, mas não o leito… Os cristãos passam como peregrinos entre as realidades temporais, voltados para a incorruptibilidade nos céus. Deus destinou-os a tão sublima missão; não mais lhes é consentido desertá-la… Os cristãos são no mundo aquilo que a alma é no corpo” (Carta a Diogneto, 5-6).

Em recente alocução, o Papa Bento XVI comenta assim este texto: “Não renegueis nunca o Evangelho em que acreditais, mas estai no meio dos demais homens com simpatia, comunicando com o vosso próprio estilo de vida um humanismo que lança as raízes no cristianismo, dispostos a construir com todos os homens de boa vontade uma sociedade mais humana, mais justa e mais solidária”.

3. Vasto mundo, minha paróquia

Ao escrever esta carta lembrei-me, várias vezes, dum livro do meu tempo de estudante que se intitulava “Vasto mundo, minha paróquia”. Era seu autor um célebre teólogo francês, o P.e Yves Congar. Com o título provocador, ele queria despertar os cristãos para não ficarem fechados na sua paróquia. Nesta os fiéis alimentam a fé, mas a sua missão é no meio do mundo.

Como pudemos ver, as próprias imagens evangélicas “vós sois o sal da terra e a luz do mundo” mostram-nos que somos enviados a levar Cristo como verdadeira luz e verdadeiro sal ao coração do mundo. Significa que tudo o que é humano – cada pessoa, a vida, as relações interpessoais, a organização da convivência social – encontra em Jesus a sua verdade, o seu sentido pleno, a sua renovação, a salvação. Não podemos trair esta missão que nos foi confiada. É um dom, mas também um dever grave e irrenunciável.

O Papa Bento XVI di-lo de uma maneira impressionante: “O mundo sem Deus torna-se um inferno: prevalecem os egoísmos, as divisões nas famílias, o ódio entre as pessoas e entre os povos, a falta de amor, de alegria e esperança. Pelo contrário, onde as pessoas e os povos acolhem a presença de Deus, O adoram na verdade e escutam a sua voz, aí se constrói concretamente a civilização do amor, em que cada um é respeitado na sua dignidade, cresce a comunhão com os frutos que ela produz”.

Não nos é lícito desertar do mundo e descuidar as tarefas temporais. O nosso ser cristãos no mundo é chamado a renovar-se e a assumir o rosto de uma presença e de um testemunho mais autêntico, mais decidido e comprometido. Como tornar esta missão mais visível, mais concreta e mais significativa na sociedade de hoje?

3.1. Vida espiritual de qualidade

Hoje fala-se muito na qualidade de vida como o conjunto de condições de bem estar pessoal, social, económico e ecológico. Mas não existe verdadeira e plena qualidade de vida sem vida espiritual de qualidade. Para o cristão isto chama-se a santidade de vida no mundo. O empenho cristão na construção de um mundo justo, fraterno e pacífico, do seu desenvolvimento integral, da sua humanização através do trabalho de cada dia é expressão do seu amor filial a Deus e do seu amor ao próximo.

Nesta perspectiva cristã, o mundo é um verdadeiro lugar de graça, de vocação e missão, de santificação para os fiéis leigos que aí vivem e trabalham. Estes fiéis são chamados a santificar-se no mundo, através do mundo e com o mundo em Deus. Os grandes santos amaram o mundo do seu tempo mesmo em crise. O cristão santifica-se não só na caridade pessoal, mas também na caridade social e política – no sentido mais nobre da palavra – quando faz obra de justiça, solidariedade e promoção humana.

Na prática da oração e nos momentos em que procuramos desenvolver a vida espiritual, não podemos deixar de ter presente o mundo e as nossas responsabilidades e relações nele. Por outro lado, os promotores de conferências, retiros e outras acções proponham uma espiritualidade que ajude a viver a própria profissão e empenho na sociedade à luz e sob o impulso da fé cristã.

Em ordem a desenvolver esta espiritualidade continuaremos a propor o “Retiro para o Povo de Deus”, durante a Quaresma, sob a forma da lectio divina enriquecida pelo testemunho da vida de alguns santos ou de outros exemplos luminosos de empenho social.

3.2. A qualidade do serviço ao mundo

A animação evangélica das realidades temporais não se faz através de um moralismo barato de denúncia ou condenação dos males ou de um mero voluntarismo. A competência e a eficácia nas tarefas temporais são exigidas pela vocação e qualidade do serviço ao mundo através da acção. Também elas fazem parte da espiritualidade laical de santificação no mundo. Não se é bom profissional, bom empresário ou bom político só pelo facto de se professar cristão. A competência, a profissionalidade, a exigência e a qualidade pertencem à credibilidade do testemunho cristão.

A formação cristã de jovens e adultos, em qualquer nível, deverá contribuir para esta consciencialização. Assim, as escolas paroquiais ou vicariais da fé, os movimentos apostólicos e de espiritualidade e o Centro de Formação e Cultura incluam esta perspectiva nas suas propostas e actividades.

3.3. Eucaristia, pão repartido para a vida do mundo

A espiritualidade do compromisso social do cristão alimenta-se não só na escuta da Palavra e na sua meditação, mas também na celebração da Eucaristia, para receber de Cristo um “novo olhar” sobre as realidades do mundo e uma “nova força” para a sua entrega.

“As nossas comunidades, quando celebram a Eucaristia, devem consciencializar-se cada vez mais de que o sacrifício de Jesus é por todos; e, assim, impele todo o que acredita n’Ele a fazer-se ‘pão repartido’ para os outros e, consequentemente, a empenhar-se por um mundo mais justo e fraterno… Na verdade a vocação de cada um de nós consiste em ser, unido a Jesus, pão repartido para a vida do mundo (…) Precisamente, em virtude do mistério que celebramos é preciso denunciar as circunstâncias que estão em contraste com a dignidade do homem, pelo qual Cristo derramou o seu sangue, afirmando assim o alto valor de cada pessoa” (SC nn. 88 e 89).

Recomendo aos sacerdotes que tenham presente o tema deste ano pastoral nas homilias, as preparem bem e usem mais frequentemente a Oração Eucarística V/D do Missal Romano, intitulada “Jesus passou fazendo o bem”. A celebração da memória de alguns santos empenhados no campo social e político ou padroeiros de determinadas profissões proporciona ocasião para a oração e a consciencialização da necessidade do testemunho cristão no mundo.

3.4. Servir o Reino de Deus nos “ambientes da vida social”

A sociedade, nas várias expressões e articulações, é o campo onde o Senhor chama cada cristão a trabalhar com os dons e tarefas próprios.

Não há nenhum ambiente da vida social em que não seja pedido ao cristão ser sal e luz. A luz, a verdade e a força de renovação do Evangelho requerem ser testemunhadas nos lugares em que os homens e mulheres nascem, crescem, vivem, convivem, trabalham, se alegram, sofrem e morrem: na família, no mundo da escola e do trabalho; na economia, na política e na administração da justiça; no mundo da assistência, das antigas e novas pobrezas, no mundo da saúde; enfim, em todo o lugar ou ambiente onde se desenvolve a vida das pessoas.

Este é o contexto mais imediato e quotidiano em que se torna necessário o testemunho de cristãos verdadeiros, de pessoas de coração grande e generoso e de mente esclarecida que mostrem e tornem eficaz a força transformadora do Evangelho nas actividades em que estão empenhados e na vida e no ambiente concreto em que trabalham.

Este desafio deverá levar as paróquias, os grupos e movimentos, as associações e comunidades a interrogarem-se sobre a qualidade da sua fé: qual o tipo de fé em que estão a educar os seus membros? Para uma fé intimista e ritualista ou para uma fé existencial e encarnada na vida concreta, capaz de transformar os ambientes?

Iremos promover durante este ano pastoral, a nível vicarial ou diocesano, encontros de cristãos de um ou outro sector socio-profissional, para mostrar como é possível estarem presentes nas mais diversas realidades seculares levando aí os valores do Evangelho. Será ocasião para analisar a situação actual e para ver que oportunidades, desafios e exigências apresenta; quais os passos a dar e as propostas a lançar.

3.5. Promover a qualidade humana na vida da sociedade

Quando falamos de “ambientes da vida social” não nos referimos simplesmente a lugares onde as pessoas se encontram a trabalhar juntas. Estamos a falar de espaços humanos nos quais se constrói e se exprime a autêntica humanidade do homem e da mulher, antes de mais através de relações humanas.

Por isso, o testemunho cristão nestes lugares e ambientes requer agir para que sejam lugares verdadeiramente humanos e humanizantes. Trata-se de assegurar a “qualidade humana” em todas as relações e em todos os lugares da vida das pessoas concretas com a sua história, as suas alegrias, as suas dores e fadigas. As próprias relações funcionais que caracterizam tantas actividades podem e devem transformar-se em relações humanas e interpessoais.

O testemunho cristão passa através de relações humanas ricas e enriquecedoras. São expressão do amor ao próximo em gestos e atitudes vividas quotidianamente; e constituem uma gramática do amor que passa pela oferta do próprio tempo e da própria presença e atenção ao outro, da escuta e da comunicação, até colocar-se ao serviço da vida do outro. Mais ainda, podem tornar-se caminhos de abertura e de aproximação à fé cristã.

Neste aspecto, as comunidades e instituições católicas deveriam tornar-se exemplares. Quanto precisamos de prestar atenção e cuidar das nossas relações! Aí se aprende como num laboratório vivo o que poderemos estender a todos os espaços humanos em que decorre a nossa vida.

3.6. Empenho pelo bem comum e Doutrina Social da Igreja

Ser “sal” e “luz” na sociedade significa promover a dignidade da pessoa humana. João Paulo II afirma-o de modo inequívoco: “Descobrir e fazer descobrir a dignidade inviolável de cada pessoa humana constitui uma tarefa essencial, mais ainda, em certo sentido, a tarefa central e unificante do serviço que a Igreja e, nela, os fiéis leigos são chamados a prestar à família humana” (CFL, n. 37).

Este primado da pessoa humana e a igualdade de todos em dignidade constituem a fonte de todos os outros princípios que regulam toda a convivência social e a organização da sociedade.

O amor à pessoa humana, a promoção e defesa da sua dignidade obriga os cristãos a participar na vida social e pública a favor do bem comum – o bem relacionado com o viver social das pessoas – na construção duma sociedade justa, solidária, fraterna, com particular atenção aos mais pobres e necessitados.

Hoje notamos uma forte tendência individualista que busca apenas o bem estar privado, individual ou de determinada corporação. Como despertar nos cristãos a consciência de serem cidadãos do mundo empenhados a construí-lo segundo o desígnio de Deus? Como suscitar a paixão e o compromisso pelo bem comum? Torna-se necessária uma séria educação para a socialidade e para a cidadania responsável através duma ampla difusão da Doutrina Social da Igreja, que ainda é desconhecida por uma grande maioria dos cristãos.

Seria salutar tomar iniciativas, neste sentido, a nível paroquial, vicarial ou diocesano, de oferecer encontros de sensibilização ou mesmo uma formação em breves módulos sobre a Doutrina Social, em colaboração com a Comissão Diocesana Justiça e Paz e com o Centro de Formação e Cultura.

3.7 O diálogo entre fé e cultura

O anúncio e o testemunho do Evangelho no mundo de hoje não pode prescindir do diálogo com a cultura que molda a vida das pessoas e da sociedade. Este é o grande desafio e a grande aposta para os cristãos: “estar presentes com coragem e criatividade intelectual nos lugares privilegiados da cultura, como são o mundo da escola e da universidade, os ambientes da investigação científica e técnica, os lugares da criação artística e da reflexão humanística” (CFL n. 44). São os novos centros de cultura onde se forjam os destinos da humanidade e que requerem dos cristãos a luz da fé para discernirem o que há de positivo ou negativo.

O Papa João Paulo II indica as modalidades e finalidades desta presença: “destina-se não só ao reconhecimento e à eventual purificação da cultura existente criticamente avaliados, mas também à sua elevação mediante as riquezas originais do Evangelho e da fé cristã” (CFL n. 44). Trata-se de testemunhar uma fé geradora e regeneradora da cultura.

Neste âmbito desejaria fazer aqui três breves referências.

a) Em primeiro lugar, à importância da comunicação social mediática e digital que introduziu uma verdadeira revolução cultural com novos modos de comunicar através de novas linguagens, novas técnicas e novas atitudes psicológicas. Os “media” são hoje o contexto em que se realiza o diálogo cultural entre a Igreja e o mundo. Este ano pastoral será também uma boa ocasião para rever a qualidade da nossa presença como Igreja diocesana na comunicação escrita e digital. Que empenho pomos nisso? Que imagem de Igreja passa?

b) Outro campo cultural a merecer atenção particular é o da educação. Estamos a viver uma situação de emergência educativa. Damo-nos conta de que o mundo de amanhã depende da educação de hoje e esta não pode reduzir-se a mera transmissão de conhecimentos e de competências. A escola é chamada a ser um laboratório de cultura, de humanidade, de sabedoria, de humanismo integral, de cidadania e dos valores e virtudes que a sustentam. É um desafio ao testemunho dos docentes cristãos e das escolas católicas e à sua ousadia em tomar iniciativas neste sentido.

 No próximo ano de 2012, o nosso Colégio Diocesano de S. Miguel celebrará o jubileu dos 50 anos da sua fundação, ao qual desde já dirigimos uma palavra de congratulação e parabéns. Por isso, vamos integrá-lo neste percurso pastoral de 2011/2012, com uma iniciativa a dinamizar pelo próprio Colégio sobre o tema “A Família, a Paróquia e a Escola – Pilares da Nova Evangelização”.

c) Por fim, o património da história e arte é outro caminho de diálogo com a cultura e de aproximação das pessoas à fé. É pois um convite a todos a fazer um tesouro desta “via da beleza” que educa a mente e o coração humanos e os abre ao mistério d’Aquele que é, segundo Santo Agostinho, “a Beleza tão antiga e sempre nova”. Nesta linha, o Departamento Diocesano do Património cultural vai organizar alguns percursos ou roteiros por toda a Diocese para ajudar a descobrir os tesouros que muitas das nossas igrejas e outros locais guardam e que nós desconhecemos.

Esta acção do Departamento Diocesano não poderia ser estímulo e modelo para iniciativas semelhantes a nível paroquial ou vicarial?

Nesta linha permitam-me fazer uma interpelação a propósito das festas populares das nossas paróquias: não seria de aproveitar este ano pastoral para elevar o nível cultural destas festas que por vezes deixa tanto a desejar, com gastos tão dispendiosos? Promovam-se e valorizem-se os talentos artísticos e as iniciativas locais de animação, poupando em contratos com agentes exteriores.

3.8. A família, principal recurso da sociedade

A mensagem cristã encoraja a família a algo de grande, de belo, de fascinante e de promissor: a humanidade da família, graças ao amor divino que a anima por dentro, pode renovar a sociedade segundo o desígnio do seu Criador. De facto, a família é o primeiro berço e a primeira escola onde se vive e aprende o amor fraterno, o sentido mais verdadeiro da solidariedade, da justiça, da honestidade, da rectidão, das virtudes sociais tão importantes para a cidadania responsável. Assim, o mundo pode tornar-se mais belo e habitável para todos e a qualidade de vida melhora em favor de toda a sociedade.

Em 2012, de 30 de Maio a 3 de Junho, realizar-se-à em Milão (Itália) o VII Encontro Mundial das Famílias Católicas sobre o tema “A Família: o trabalho e a festa”. Com este mesmo título, o Pontifício Conselho para a Família apresentou já o documento preparatório com dez catequeses. Estas procuram iluminar a relação entre a experiência da família e a vida quotidiana na sociedade e no mundo. São um bom instrumento de trabalho para a Pastoral Familiar ao longo do ano pastoral.

3.9. Fátima e a civilização do Amor e da Paz

Como poderia faltar a referência a Nossa Senhora no nosso percurso pastoral deste ano? Ela mesma nos ilumina o caminho com o seu apelo em Fátima, chamando os cristãos a assumirem a sua responsabilidade no mundo. Eis como o Papa Bento XVI interpretou a actualidade deste apelo na sua homilia de 13 de Maio de 2010: “Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja concluída. Aqui revive aquele desígnio de Deus que interpela a humanidade desde os seus primórdios: ‘Onde está Abel, teu irmão? (…) A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim’ (Gn 4,9). (…) Com a família humana pronta a sacrificar os seus laços mais sagrados no altar de mesquinhos egoísmos de nação, raça, ideologia, grupo, indivíduo, veio do Céu a nossa bendita Mãe oferecendo-se para transplantar no coração de quantos se Lhe entregam o Amor de Deus que arde no seu. (…) Só com este amor de fraternidade e partilha construiremos a civilização do Amor e da Paz”.

Podemos associar-nos espiritualmente ao lema do Santuário para este ano: “Quereis oferecer-vos a Deus?”. É o pedido que Nossa Senhora faz aos pastorinhos e espera a resposta da nossa generosa disponibilidade aos desígnios de Deus para a salvação e a paz do mundo lacerado por injustiças, ódios e conflitos.

A peregrinação diocesana no 5º Domingo da Quaresma há-de ajudar-nos a acolher o convite de Maria e a corresponder-lhe tornando-nos construtores de relações de paz, promovendo a reconciliação e a justiça e empenhando-nos na defesa do bem comum e da solidariedade.

 

Ofereço-vos uma oração, adaptada da liturgia, para alimentar o empenho no mundo que nos propomos ao longo deste ano pastoral:

 

Pai Santo,

Nós vos damos graças

porque iluminastes o mundo por meio de Jesus Cristo:

concedei-nos a sua luz todos os dias da nossa vida.

Orientai-nos e fortalecei-nos com o vosso Espírito,

para que vivamos sempre segundo o Evangelho.

Dirigi e santificai os nossos pensamentos, palavras e acções

e dai-nos um espírito dócil às vossas inspirações.

Ajudai-nos nos trabalhos e empenhos no mundo,

para que as nossas obras sirvam ao bem comum,

à promoção da justiça, do respeito da dignidade humana,

da fraternidade entre as pessoas, da caridade social e da paz.

A Virgem Maria seja para nós estímulo e modelo

no testemunho das vossas maravilhas diante dos homens.

Ámen.

 

À protecção de Nossa Senhora de Fátima e à intercessão dos beatos Pastorinhos confiamos o bom êxito do percurso pastoral da nossa Igreja Diocesana.

Feliz Ano Pastoral!

Saúda-vos afectuosamente,

 

† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

 

Leiria, 8 de Setembro de 2011

Festa da Natividade de Nossa Senhora

 

Siglas usadas

 

CDSI – Compêndio da Doutrina Social da Igreja do Pontifício Conselho Justiça e Paz (02.04.2004)

CFL – Exortação Apostólica Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo, de João Paulo II (30.12. 1988)

CV – Encíclica A Caridade na Verdade de Bento XVI (29.06.2009)

NMI – Carta Apostólica À Entrada do Novo Milénio de João Paulo II (06.01.2001)

RM – Encíclica Missão do Redentor de João Paulo II (07.12.1990)

SC – Exortação Apostólica Sacramento da Caridade de Bento XVI (22.02.2007)

SRS – Encíclica Solicitude Social da Igreja de João Paulo II (30.12.1987)

 

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top