O desafio: Construir ComUnidade na adversidade

Terminado o verão é hora de acordar para a realidade que teremos de enfrentar durante os próximos tempos, isto é, durante os próximos anos!

Sabemos já que a situação económica em que estamos supõe um enorme esforço individual e coletivo. Ouvimos e lemos diariamente taxas de desemprego a subir, impostos a pagar, taxas extraordinárias que se prolongarão pelo menos durante dois anos e salários congelados pelo menos durante três anos. As conse-quências sociais são já visíveis: mais pessoas a solicitar apoio, mais organizações em dificuldade, quer para prestar ajuda, quer para cumprir as suas obrigações financeiras.

Num cenário complexo e sombrio poderá ocorrer a tentação da desistência, da resignação ou da resposta individual. Contudo, num contexto cristão, nenhuma delas pode ser admissível.

Hoje mais que nunca, é chegada a hora de evidenciar a nossa dimensão solidária e comunitária. Aos grupos e organizações de inspiração cristã não resta outra alternativa que a de viver a sua natureza e a sua essência. É hora de criar e recriar mecanismos e processos que expressem uma solidariedade que assenta na proximidade, na partilha, na simplicidade, na discrição mas também na efetiva criação de redes de suporte social e humano que permitam a cada pessoa ter as condições dignas a que tem direito.

O desafio é de tal monta que apenas uma resposta coletiva pode ter resultados. Mas, mais do que uma simples rede de serviços e respostas, é chegada a hora de grupos e organizações cristãs agirem como corpo que estão chamados a ser, Com a Unidade que faz parte da sua natureza.
O que parece ter-se tornado evidente é que o sistema social criado, com todos os âmbitos positivos que tem e que importa reconhecer, não é suficientemente solidário para acorrer às necessidades existentes nem às que se vislumbram.

Assim sendo, tendo a noção de “bem comum” como finalidade de toda a ação a desenvolver, através de uma lógica de verdadeira subsidiariedade, entendida como co-responsabilização pelo desenvolvimento e crescimento do outro como pessoa, grupo ou comunidade, é o momento de olhar em redor e ousar agir em ComUnidade, ser o Corpo que estamos chamados a ser.

Ainda não há muito tempo alguém escrevia que o facto de as pessoas recorrerem mais à Igreja que aos serviços do Estado significava um verdadeiro “retrocesso social”. Penso que será verdade se, e só se, as respostas dadas significarem a dependência de quem delas necessitar. Mas poderá também ser um avanço civilizacional se, como parece estar já a acontecer, os serviços prestados demonstrarem que o nosso sistema social, económico e político, precisa de um verdadeiro espírito solidário.

As estruturas da Igreja não tardaram a responder aos primeiros sinais de agravamento da tão famigerada crise. São disso exemplo os diferentes fundos solidários diocesanos e mesmo o fundo de âmbito nacional. São disso exemplo as inúmeras respostas locais mais discretas criadas pelo país fora.

Contudo, é fundamental que toda e qualquer estrutura não se afaste do espírito que lhe dê sentido e que lhe dê vida pois só desse modo marcará a diferença e terá os resultados que dela se esperam: gerar condições de vida dignas, garantir e efetivar os direitos humanos, promover uma justiça social equitativa e solidária, ou seja, gerar contextos mais comunitários e mais solidários.

Nenhum corpo se sente bem quando alguma das suas partes ou dos seus membros se sente menos bem ou está mesmo debilitado. Como tal, toda e qualquer situação de carência individual ou coletiva tem que nos impelir a agir, assumindo a necessidade dos que nos são próximos como nossa. É hora de colocar dons e talentos, possibilidades e realidades, forças e recursos ao serviço, para que todos – em especial pessoas, grupos e organizações, mais carenciados – tenham as condições de que necessitam para viver dignamente.

No momento que é de tribulação, é fundamental agir com a paciência e a perseverança, enraizadas na esperança e na confiança que resultam de uma história rica em exemplos de vidas profundamente fecundas pela partilha e pela dádiva.
É a hora de redescobrir que o dom gera relações de verdadeira solidariedade. Ao contrário do que se tem dito, o problema não está na dádiva ou no ato que se tem em função de quem mais necessita. A existir, o risco estará sempre no modo como se dá! Mas a situação que vivemos não é em grande parte resultado da lógica de justiça social de direitos individuais que temos vindo a desenvolver? Hoje percebemos o quanto é importante ter direitos sociais garantidos mas, percebemos também, que é preciso algo mais para que eles possam ser efetivos. A verdadeira dádiva, seja individual ou coletiva, assente num único interesse, a promoção do outro, é ela mesma geradora de outras dádivas criando assim cadeias de solidariedade! O dom que é verdadeiro dom gera uma dívida positiva que impele a uma nova dádiva.

Haverá outros caminhos? Talvez, mas não serão a mesma coisa. Por isso, mais que um trabalho em rede é fundamental aceitar o desafio de agir em / e Com Unidade, tendo como princípio uma lógica de subsidiariedade geradora de autonomias solidárias quer ao nível individual quer ao nível coletivo, visando sempre alcançar um bem que é comum, uma vida digna, humana e solidária.

Henrique Joaquim
Professor Faculdade de Ciências Humanas da Universidade
Católica Portuguesa

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