Homilia na missa da vigília da Peregrinação Internacional dos Migrantes a Fátima

D. António Vitalino

«Creio em Jesus Cristo, Filho de Deus»

 

1. Amados peregrinos, estamos aqui neste lugar sagrado da Cova da Iria, vindos de muitos pontos da terra, formando uma assembleia orante, convocada pela fé e pela devoção a Maria, a Senhora de Fátima, a Mãe de Jesus e nossa Mãe também. Somos um povo em mobilidade, peregrino, à procura da felicidade, de melhores condições de vida, para nós e as nossas famílias, um povo que não resigna perante as dificuldades e a imobilidade de muitos ambientes, onde grassa o desemprego e a falta de perspetiva de inserção no mundo do trabalho.

Viemos aqui agradecer, louvar e também pedir com toda a confiança, por intercessão de Maria, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, aquela mesma que há 94 anos aqui apareceu aos três pastorinhos, em tempos bem difíceis e de maior pobreza que os nossos. Em 1917, neste lugar, a Senhora mais brilhante que o sol, confiou a três crianças a receita da paz e de um mundo melhor e que podemos resumir numa frase, com a simplicidade evangélica das grandes mensagens: rezai, rezai o rosário pela paz e oferecei sacrifícios pela conversão dos pecadores, para que deixem de ofender a Deus, que sofre com o pecado dos seus filhos.

 

2. Caríssimos peregrinos, nesta vigília da nossa peregrinação internacional a Fátima a Palavra de Deus interpela-nos, para deixarmos que Ele se torne mais próximo das nossas vidas, como há dois mil anos, na pessoa de Jesus Cristo, o Messias, o Filho de Deus, que nos salvou pela doação da sua vida no sacrifício da Cruz e cuja entrega se perpetua e torna presente a todos nós na celebração da Eucaristia. Numa breve meditação convosco vou tentar desvendar alguns sinais do amor de Deus por nós, para nos ajudar a cultivar um coração amante e misericordioso, semelhante ao seu Sagrado Coração.

3. Normalmente tendemos a ver e interpretar tudo a preto e branco, ou mesmo só a negro, sem luz ao fundo do túnel, mormente quando as dificuldades da vida batem à nossa porta ou à porta daqueles que nos são queridos. Mas não foram as dificuldades, os desafios, que nos fizeram deixar as nossas terras à procura de vida melhor? Mas se ainda são poucas as melhorias, não cruzemos os braços, continuemos a lutar, com a certeza de que Deus nos ama e quem ama e vive com amor no seu coração torna-se um manancial de energia, capaz de superar as maiores adversidades. É o que descobre Marta, quando, sentindo a grande desilusão da morte do seu irmão Lázaro, se encontra com Jesus, lhe expõe a sua tristeza, mas sai fortalecida na sua fé, exclamando: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo». É esta certeza da fé de Marta que nós precisamos, para descobrirmos o amor de Deus e o sentido da vida, mesmo quando tudo parece negro. A fé transporta montanhas, diz o Evangelho. Mas trata-se da fé no poder e na pessoa de Jesus Cristo, a quem nos entregamos totalmente, como Pedro, quando responde ao desafio de Jesus, se também ele queria desistir de O seguir, porque a linguagem e exigências de Jesus eram difíceis: “para quem iremos nós, Senhor, se apenas Tu tens palavras de vida eterna”?

Aqui em Fátima imploremos confiantes a intercessão de Nossa Senhora, para sabermos ler as nossas vidas como expressão do amor de Deus, para que saibamos amar como Jesus, que, do alto da cruz, perdoa a quem para Ele pediu a morte e nos entrega a sua própria mãe como nossa mãe, mãe da Igreja e mãe de todos os discípulos de Jesus.

Aqui, neste lugar sagrado, recordemos com gratidão todas as pessoas que deixamos nas nossas terras e nos acompanharam até ao dia da nossa partida, mas também aquelas que nos acolheram nas terras para onde partimos e com as quais queremos construir uma só família humana. Mas sobretudo não esqueçamos o amor que Deus nos tem demonstrado através dos nossos caminhos. Como dizia o profeta Oseias, Deus manifestou-nos o seu amor, trazia-nos ao colo nos braços dos nossos pais e no testemunho de fé dos nossos avós e catequistas. Que saia do nosso coração e dos nossos lábios um obrigado a Deus por todos eles.

 

4. Na mensagem deste ano para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, o Santo Padre Bento XVI afirma que somos chamados a constituir uma só família humana, mas que isso apenas se consegue, se nos amarmos uns aos outros como Cristo nos amou (Jo 13, 34), acolhendo-nos como irmãos, fazendo crescer no mundo a justiça, a caridade e a paz. «Uma só família humana», uma só família de irmãos e irmãs em sociedades que se tornam cada vez mais multiétnicas e intraculturais, onde também as pessoas de várias religiões são estimuladas ao diálogo, para que se possa encontrar uma serena e frutuosa convivência no respeito das legítimas diferenças.

Todos temos a mesma origem e o mesmo fim último. Por isso é importante que o percurso entre ambos se faça, inter-relacionando-nos cada vez mais, entreajudando-nos, fazendo do nosso caminho uma certa antecipação, que prefigura a cidade de Deus sem barreiras. A experiência das migrações pode fomentar essa antecipação de uma só família humana. O fenómeno crescente do intercâmbio cultural, universitário, económico, desportivo e turístico pode unir cada vez mais todos os povos, tornar-se motor do desenvolvimento e lançar pontes de compreensão e de colaboração entre as diferentes culturas e nações, apressando a construção de uma só família humana. Mas sem fé, sem oração, sem sacrifícios e ousadia, isso não acontecerá. Como peregrinos e pessoas em mobilidade estamos no bom caminho. Que Nossa Senhora nos acompanhe!

 

5. Continuamos a ser um país de emigrantes. Mas somos também um país de imigrantes. A lembrá-lo e representando os imigrantes de muitos outros países, temos entre nós D. Arlindo, bispo de Santiago, em Cabo Verde, cuja aceitação do convite para presidir a esta peregrinação, agradeço e na sua pessoa a todos os Caboverdianos residentes em Portugal e noutros países, unidos nas missões de língua portuguesa. Ajudamos outras países no seu desenvolvimento e bem estar, mas também somos ajudados. Precisamos uns dos outros. Em tempo de crise económica não nos esqueçamos de continuar a ser acolhedores e hospitaleiros e não façamos aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem a nós. Somos todos pessoas humanas, com uma dignidade fundamental, com direitos e deveres, e como cristãos chamados a amar a Deus e ao próximo, como Jesus o fez.

É em tempo de crise que se demonstra aquilo que somos, ou amigos e irmãos, solidários nas alegrias e tristezas, na abundância e na penúria, ou então inimigos e adversários, carrascos sem humanidade, pensando que o bem dos outros impossibilita o nosso. A solidariedade, a partilha, a hospitalidade, numa palavra, a caridade é que nos podem ajudar a vencer a crise. Os presentes distúrbios nos subúrbios das grandes cidades do Reino Unido, como há anos em Paris, e há pouco em Madrid e Barcelona, devem ser para nós um alerta para não enveredarmos pelo caminho do salve-se quem puder. Para além de não ser cristão, também não é humano nem nos ajuda na construção de uma só família humana.

 

6. Amados peregrinos, a história da humanidade mostra-nos muito sofrimento causado pelo próprio homem, pelo pecado do homem, mas também nos aponta muitas tentativas de ajuda para mudança de rumo, para que não aceitemos o mal como uma fatalidade.

Olhando para Jesus Cristo e Maria, vemos neles a aurora da vitória do bem e da nova humanidade. Aqui em Fátima estamos mais sensíveis a esta mensagem. Continua a ser urgente e necessário escutar e seguir o apelo aqui deixado por Nossa Senhora. Se não nos convertermos ao amor, se não rezarmos, se não pedirmos a paz, se não testemunharmos apaixonadamente os valores evangélicos, dificilmente encontraremos o rumo feliz das nossas vidas, dos povos e nações do mundo, ávidos do bem-estar, mas sem amor, sem verdade, sem justiça para todos, isso não será possível.

 

7. Irmãos peregrinos, Jesus Cristo chama-nos e interpela-nos por Maria. Daqui a uns dias, centenas de milhares de jovens de todo o mundo estarão em Madrid, convocados pelo Santo Padre, para aí viverem intensamente mais uma Jornada Mundial da Juventude. Os jovens são generosos, mas precisam de Deus e de quem os desafie para a construção dum mundo novo, mais solidário e unido. Sua Santidade Bento XVI desafiou-os no convite que lhes fez, com as palavras de S. Paulo aos Colossenses: «Enraizados e edificados em Cristo… firmes na fé» (cf. Cl 2, 7), numa altura em que a Europa e o mundo precisam de descobrir a raiz da sua identidade. Peçamos a Maria pelos jovens do mundo inteiro, para que escutem estes apelos, se abram à esperança e, sem medo, com amor corajoso, se entreguem à construção dum mundo melhor, sem violência e mais justo. Os jovens são o futuro do mundo. Sem eles, sem o seu empenho, os nossos últimos dias na terra serão de muito sofrimento. É pois também do nosso próprio interesse que esta Jornada Mundial da Juventude dê lugar a uma nova primavera: de esperança a renascer, de amor ao próximo a florir, de partilha e solidariedade a adornar os nossos ambientes.

Abramos o coração a Maria, para partirmos daqui com o desejo de viver em profunda comunhão de solidariedade e de gratidão pela fé cristã que recebemos e que desejamos transmitir a todos com quem vivemos e trabalhamos.

Aqui estamos, Senhora de Fátima. Fazei de nós vossos mensageiros. De Vós queremos aprender a abertura e disponibilidade para acolher o Espírito Santo, que fez de Vós a Mãe fecunda, a cheia de graça. Mais conscientes do Vosso papel de Mãe da Igreja e auxílio dos cristãos, a Vós recorremos com toda a confiança, com as palavras de S. Bernardo, convictos de que nunca se ouviu dizer, que alguém que a Vós tenha recorrido, fosse por Vós desamparado. Ámen!

 

Fátima, 12 de agosto de 2011

D. António Vitalino

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