Era uma vez… um programa de férias…

Paulo Neves, Caritas da Guarda

Era uma vez… Assim começavam quase todas as histórias de encantar que ecoam da nossa infância, através das quais éramos o centro das atenções de todos os que nos rodeavam: pais, avós, tios, professores, catequistas, entre outros. Assim nos acalmávamos. Assim comíamos a sopa. Assim nos distraíamos. Assim adormecíamos na “paz dos anjos”. Assim centrávamos a atenção. Assim passávamos os dias. Assim vivíamos as férias. Assim despertávamos para a vida. Todos recordamos, com emoção, alguns desses momentos e pessoas que os proporcionavam e onde o protagonista era cada um de nós. Dentre essas pessoas que giram à volta da nossa infância, talvez o lugar mais especial seja o dos avós, logo seguido dos pais. Apoio constante dos filhos e netos, atenção diligente para com a prole, cuidado projetivo da descendência, presença incondicional, central de afetos, eis algumas das suas nobres qualidades e tarefas.

Era uma vez… há 10, 15, 20, 30 anos. À infância seguiu–se a adolescência, a juventude e a idade adulta. Crescemos. Em geral, deixámos ou tivemos de deixar a nossa terra, estudámos, conseguimos emprego, constituímos família, arranjámos uma boa casa, um bom carro, planeámos e fomos de férias. Fomos de férias para a praia, para a serra, tanto dentro do país como pelo estrangeiro. Fomos. Nas nossas terras e aldeias permanecem aqueles que nos contaram as tais histórias de encantar. Em geral, não saíram de lá e, mesmo os que saíram, quase todos regressaram. Aí passam os seus dias e noites. Em suas casas, no lar ou no centro do dia da aldeia, aí se encontram. Aí passam também o tempo das nossas férias. Geralmente, estão à espera daqueles que foram a razão de ser da sua vida e que justificaram tantos sacrifícios, renúncias e canseiras pessoais. Geralmente, ainda têm histórias para continuar a contar aos que as quiserem ouvir. Geralmente, ainda têm o seu pensamento naqueles que geraram e ajudaram a criar. Geralmente, estão disponíveis para receber visitas. Geralmente, não têm grandes atividades programadas para o seu dia a dia. Geralmente, não vão de férias. Geralmente. Mas, aqui e ali, percebem-se perdas de lucidez, pouca vontade de falar, alguns sinais de amnésia, solidão, decrepitude.

Ah, se alguém pudesse contar uma das histórias de encantar que aprendeu há alguns anos atrás. Ah, se alguém pudesse aparecer pela aldeia onde foi tão feliz. Ah, se alguém fosse visitar quem lhe dedicou tanta atenção. Ah, se alguém não fosse de férias para um destino tão distante. Ah, se alguém desse conta disso. Ah, se alguém soubesse quem é esse “alguém”.

Eis uma dica para uma possível história de encantar: Era uma vez… um programa de férias. Depois de um ano de intenso trabalho, com stress q.b., a família “Feliz” (nome fictício, por questões de privacidade), composta por um casal e dois filhos, dirigia-se para o aeroporto rumo a um dos seus destinos de férias de sonho. Mas eis que os engarrafamentos de trânsito foram de tal ordem que não conseguiram chegar a tempo do check-in e… perderam o avião. Cabisbaixos por tal desilusão, lá tiveram de decidir ir até à terra dos seus pais e avós. A viagem foi monótona e de parca comunicação. Só se ouvia o rádio numa estação que nem sequer a todos agradava. Volvidas algumas centenas de quilómetros e, já perto da aldeia, o verde dos campos e a pacatez do trânsito, recomendou que os vidros do carro de abrissem. Logo se respirou um ar puro como há muito não ocorria, os sons de pequenos insetos e aves ecoou, o horizonte assumiu um colorido deslumbrante. Os olhos abriram-se, os ouvidos também, a mente recordou e o coração palpitou. Já dentro da aldeia, no fundo da Rua Principal, o Sr. Manuel Feliz e a D. Maria Feliz esperavam ansiosamente, de braços abertos e de sorriso rasgado (embora com algumas falhas de dentes) o seu filho, nora e netos. Os cumprimentos foram demorados. Os sorrisos e lágrimas de alegria também. Prolongaram-se por alguns dias. E depois desses intensos dias, a família “Feliz” ficou mais feliz, agradecendo o facto de terem perdido o avião, pois, (re)descobriram um novo destino de sonho. Sim, esse mesmo donde viemos, somos e para onde “podemos” ir… sempre. Mais tranquilo, mais barato, mais alegre, mais intenso, mais reconfortante, mais terapêutico, mais feliz para… todos. E tu, para onde ainda teimas em ir nestas férias?…

Paulo Neves, Caritas da Guarda

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