Cinema: Carancho – O Círculo Vicioso do Crime

Na Argentina, são cerca de oito mil as pessoas que morrem, por ano, vítimas de acidente de viação. Por detrás deste número trágico, floresce um negócio que explora indecentemente os familiares das vítimas com o objectivo de arrecadar a maior parte das chorudas indemnizações a que estes têm direito por parte das seguradoras.

Na linha da frente deste terreno criminoso escorregadio estão os “abutres” (caranchos em espanhol) como Sosa, um advogado a quem foi tirada a licença para exercício da profissão e que prima por surgir sempre, antes de qualquer socorro ou outra testemunha, no local do acidente.

“Acidente”? Ou “premeditação”? É o que Luján vai descobrir desde que se cruza com Sosa, durante a intensa prestação como médica de emergência dentro e fora de um hospital de fracos recursos em Buenos Aires.

Num registo que vimos multiplicar por Hollywood, “Carancho” conta-nos a clássica história de arrependimento do bandido que por cansaço, amor ou clarividência se decide a mudar de vida, sendo nós espectadores convidados a testemunhar o seu “último golpe” – mesmo o último, seja por boa ou má fortuna.

Temo-nos nos últimos anos habituado a receber excelentes filmes provenientes da América latina: caso do México, com a cinematografia de Alejandro G. Iñarritu (“Amor Cão”, “21 Gramas”, “Babel”); da Argentina com os filmes de Juan José Campanella (“O Filho da Noiva”, “O Segredo dos seus Olhos”); do Chile, com as obras sobejamente conhecidas de Raoul Ruiz; do Perú através de realizadores como Claudia Llosa (“A Teta Assustada”); e, claro está, em maior quantidade (e ainda assim pouca, para o proveito que daí poderíamos tirar) do Brasil, com os seus populares Fernando Meirelles, Kátia Lund, Paulo Morelli, José Padilha, Hector Babenco e tantos outros.

Pablo Trapero faz parte deste rol de realizadores com qualidade atestada. Mas não será este seu “Carancho”, com uso e abuso de câmara manual e emergências hospitalares, com muito mais corte e costura que argumento que, apesar das charmosas prestações de Ricardo Darín e Martina Gusman, fará o voo picado de outros trabalhos seus, directo e certeiro ao nosso entusiasmo cinéfilo.

Margarida Ataíde

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