A chamada «economia» refere-se a uma dimensão essencial da vida das sociedades, que condiciona, ou mesmo determina, todo o processo social. A «Economia» como real ou suposta ciência tem-na como objeto. Mas é geralmente uma visão superficial e enganadora da mesma. Na verdade, muito do discurso corrente dos economistas de profissão é frequentemente uma expressão, consciente ou inconsciente, dos interesses dominantes na economia real, mais do que uma perspetiva lúcida e objetiva que contribua para corrigir ou melhorar o muito que há para corrigir e melhorar na economia «realmente existente». Este facto é particularmente notório num país como Portugal, uma das regiões da Europa onde são mais acentuadas as desigualdades na repartição dos rendimentos entre grupos sociais e também mais acentuado o desemprego, e com continuada tendência para agravamento.
Uma circunstância adicional que tornou mais sombrio este panorama decorre da recente intervenção na economia e sociedade portuguesas da chamada «troika», com representantes da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, com a finalidade anunciada de permitir o acesso aos meios financeiros de que o País necessita, a troco de determinada política de «ajustamento estrutural» que em princípio permita equilibrar as finanças públicas e a balança de pagamentos externos. Infelizmente, esta «ajuda» não é desinteressada e está condicionada por atores do sistema económico europeu e internacional que agem segundo motivações que não são coincidentes com a visão duma economia mundial mais justa e equilibrada. Mas coincidem, é certo, com as inefáveis visões do mundo dos portugueses Durão Barroso e Victor Constâncio.
Neste texto procuro referir os fatores que poderão determinar, no funcionamento concreto da economia portuguesa, um processo gradual de convergência e desenvolvimento, distinto do preconizado pela «troika». Isto de maneira necessariamente simplista e esquemática.
É indispensável acentuar em primeiro lugar a natureza do poder político em funções no nosso País. A economia real não pode corrigir-se se não for a isso compelida por um poder central forte, de larga base de apoio e com lúcida visão dos objetivos a atingir e dos instrumentos a utilizar para isso.
Acontece que a presente conjuntura política e económica portuguesa é um intrincado labirinto onde não se vislumbra caminho fácil para chegar ao fundo do túnel.
Não vou aqui ocupar-me da questão política, apesar da sua importância fundamental. Vou refletir um pouco sobre a política económica possível e desejável, deixando ao leitor o cuidado de procurar o «apropriado» poder político.
A dificuldade principal a enfrentar consiste no seguinte: a curto prazo é necessário e urgente formular e praticar políticas que reduzam os desequilíbrios existentes em matéria de finanças públicas e balança de pagamentos externos, mas sem sacrificar objetivos mais exigentes e apenas atingíveis a médio e longo prazo, em matéria de emprego e crescimento económico.
Há portanto, neste panorama, uma inevitável sucessão de dois tempos: no imediato, um tempo de austeridade e sacrifício; a médio e longo prazos, um tempo de recuperação, melhoria de competitividade e redução da presente desigualdade e exclusão social.
Não vale a pena iludir as presentes dificuldades com discursos bem intencionados mas que confundem os desejos com as realidades.
Em particular, em matéria de desemprego, é de ter em conta que há dois tipos de desemprego na presente conjuntura nacional: um desemprego de longa duração, de trabalhadores geralmente de baixa qualificação e relativamente idosos; um outro desemprego de trabalhadores mais jovens, de níveis de instrução superior ou relativamente elevada.
Estes tendem a emigrar, se encontram no estrangeiro empregos adequados às suas habilitações que não estão disponíveis em Portugal. Os outros, de difícil requalificação profissional terão de ser apoiados por alguma forma de segurança social.
Sendo assim, é indispensável que a «austeridade» seja suportada em primeiro lugar pelos que têm maiores rendimentos, isto é, pelos ricos e muito ricos e não pelos pobres ou muito pobres, que infelizmente são cada vez mais numerosos no nosso País.*
*Uma análise aprofundada desta temática encontra-se no nosso livro Portugal nas transições. O calendário português desde 1950 (Edição CESOCI)
Mário Murteira
Economista