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A Missão, caminho da Palavra Ao longo da Semana Santa propus um itinerário de vida que fizesse da Igreja uma autêntica Casa da Palavra. Hoje, a Igreja, iluminada pela luz pascal, faz memória e torna presente os grandes acontecimentos da história da salvação que a Palavra de Deus nós vem revelando ao longo dos tempos. Deus havia prometido que enviaria “dias de fome e de sede sobre a terra, não uma fome de pão nem uma sede de água, mas de escutar a Palavra do Senhor” (Amós 8, 11). A ausência de escuta torna impossível a relação com Deus. Como podemos testemunhar a nossa fé senão escutamos a Palavra? A verdadeira escuta traz consigo o crescimento na fé e atitudes concretas de realização do Bem. Toda a Bíblia está permeada de apelos a “não calar”, a “gritar com força”, “a anunciar a Palavra oportuna e inoportunamente”, a “ser sentinelas que rompem o silêncio da indiferença”. A missão que Cristo deixou aos apóstolos foi o mandato de “ir por todo o mundo”, sair do templo, para percorrer todas as ruas do mundo e aí gritar bem alto o amor de Deus por todos e por cada ser humano. O testemunho alegre do crente é o mais belo anúncio da Boa Nova. Os Apóstolos “estiveram” com Jesus para aprender do Mestre a linguagem e as obras de Deus. Essa aprendizagem contínua ainda hoje. Na alegria da Páscoa, quero sublinhar três caminhos a percorrer, no sentido de realizarmos o mandamento do amor que Cristo ensinou e testemunhou aos seus discípulos. 1 – O primeiro caminho é o “caminho do coração”. O coração é o centro da sabedoria e da afetividade, da razão e da emoção. O coração funciona através de dois movimentos: contração e dilatação, diástole e sístole. Nesta dinamicidade e duplo movimento o caminho do coração sugere a urgência da interioridade contemplativa do Homem. Só interiormente purificados poderemos chegar às extremidades da vida e percorrer as histórias humanas carregadas de dramas e interrogações, de gritos e imprecações, de alegrias e tristezas. O anúncio do Reino toca a todos. A Palavra de Deus é um facho luminoso de esperança no seio da humanidade. Compete a cada cristão e a toda a Igreja transmitir a fé com o entusiasmo e a alegria das comunidades primitivas. O anúncio de Cristo Ressuscitado na vida dos homens é a mais solene Boa Nova da Páscoa. Sublinho três pontos onde o fermento evangélico deve ser colocado: a família para que os valores da hospitalidade e da condivisão sejam transmitidos; o trabalho onde a dignidade e o direito marcam a tarefa de completar a obra iniciada pelo Criador; a sociedade onde a eficiente participação dos cristãos permite que a convivência humana não se deixe marcar por critérios de solidariedade, justiça e fraternidade. O costume do compasso simboliza o caminho das mulheres de Jerusalém a anunciar alegremente o Ressuscitado. O anúncio que sai da Igreja a rebate dos sinos leva-nos hoje a percorrer os caminhos das aldeias e das cidades. Deus vem e quer habitar na tenda dos homens! Nesta tradição espelha-se a sintonia entre os sacerdotes que confiam nos leigos e leigos que manifestam alegria em ser arautos da missão. Quantos campos novos a descobrir? Quantos medos a perder? Quanta preparação a efetuar para caminhar na fidelidade a uma mensagem de que a Igreja é meramente depositária? 2 – O segundo caminho é a “Via amoris”. É o amor que anuncia e o amor que deve ser anunciado segunda uma caridade gratuita e verdadeira que vá mais além da simples filantropia e do reconhecimento social. A caridade cristã está a exigir uma clarificação de motivações para marcar a diferença no meio de tantas instituições similares. A motivação é esta: “fazei isto em memória de mim”, amando a Deus e aos irmãos. Viver e levar o amor de Cristo para que seja conhecido e amado é o desafio diário colocado a todos os cristãos. “Quem se aventura pelos caminhos do mundo descobre também baixios onde se aninham sofrimentos e pobrezas, humilhações e opressões, marginalizações e misérias, doenças físicas e psíquicas e solidões. Com frequência, as pedras dos caminhos estão ensanguentadas por guerras e violências, nos palácios do poder a corrupção cruza-se com a injustiça… há os que são apanhados pela crise existencial ou sentem a alma privada de um significado que dê sentido e valor ao próprio viver”[1]. Nunca podemos esquecer que Cristo, percorrendo os caminhos da sua época, abre o seu ministério público precisamente com um anúncio de esperança para os “últimos da terra”. A missão da Igreja acontece sempre que percorre o itinerário do amor, olhando, preferencialmente, para quem está à margem da sociedade, e anunciando o rosto solícito de Cristo através da gratuidade e do amor sem fronteiras. 3 – A beleza festiva que rodeia a nossa celebração Pascal sugere o caminho da Via pulcritudinis. Deus é a expressão máxima do belo e “Cristo é a beleza cruciforme que salva o mundo” (C. Maria Martini). Nem sempre testemunhamos a beleza de Deus que vem ao nosso encontro na liturgia e na vida quotidiana. O ato criador Deus reflete-se na beleza da música, no arranjo dos lugares, nos paramentos. Os espaços devem privilegiar a harmonia e a elegância estética. Como nos recordava Bento XVI em Portugal “mais do que fazer coisas belas tornai as vossas vidas lugares de Beleza”, de presença e encontro com o toque sublime de Deus no coração da humanidade. A Páscoa exige a responsabilidade de anunciar o Ressuscitado e a alegria de mostrar como Ele caminha connosco. O caminho está delineado desde que a pedra do sepulcro se removeu e as mulheres correram a anunciar que Ele estava vivo. Os discípulos, desconfiados e perplexos perante o seu futuro, reconhecem-no na explicação das Escrituras. Emaús torna-se símbolo da Igreja peregrina a caminho de Deus e dos homens. São caminhos novos que a força da Páscoa nos leva a descobrir e a percorrer. Que o Tempo Pascal permita que as nossas comunidades tomem conta da Palavra e a anunciem sem medo nos caminhos da vida. Catedral, 23 de abril de 2011 D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga [1] Plano Pastoral da Arquidiocese de Braga. |