Homilia do cardeal-patriarca no Pontifical da Ressurreição

 É preciso anunciar que Cristo está vivo”

1. A ressurreição é, humanamente, uma verdade exigente. A morte física tem todo o aspeto de um fim. Acreditar na ressurreição significa dar um sentido novo à morte, considerá-la não como o termo da vida, mas uma passagem em ordem a outra etapa da vida. Um texto da Liturgia afirma: “para os que creem em vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma”[Prefácio dos Defuntos I]. Hoje há muitas pessoas que já não acreditam na vida depois da morte. Mas na perspetiva cristã não basta aceitar uma qualquer forma de continuidade da vida. Trata-se de acreditar que Cristo venceu a morte, ressuscitou dos mortos, e ressuscitar-nos-á com Ele. A nossa fé na vida, depois da morte, é a certeza da nossa ressurreição, como Cristo ressuscitou. É por isso que é urgente, na nova evangelização, anunciar aos homens de hoje que Cristo está vivo, venceu a morte, porque Deus O ressuscitou dos mortos.

Acreditar na ressurreição de Cristo sempre foi exigente. É o âmago da fé cristã, que muda tudo na compreensão da vida. Apesar de Jesus, sempre que falou da sua morte, ter anunciado a sua ressurreição, mesmo para os seus discípulos foi difícil acreditar que Ele estava vivo. Não acreditaram no testemunho das mulheres a quem Jesus ressuscitado tinha aparecido (cf. Lc. 24,9-11); São Tomé não aceita o testemunho dos outros apóstolos a quem O ressuscitado se manifestara (cf. Jo. 20,24ss). Mesmo no momento da última aparição, antes da sua Ascensão aos Céus, em que Jesus explicita a sua missão universal, se o conjunto se prostra diante d’Ele, São Mateus tem a sinceridade de reconhecer que alguns ainda duvidavam (cf. Mt. 28,17).

No texto do Evangelho de São João que acabámos de escutar, Pedro e João confrontam-se com o túmulo vazio. São João confessa: “entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos” (Jo. 20,9).

2. O túmulo vazio era apenas um sinal de que algo de extraordinário tinha acontecido. O verdadeiro fundamento da fé na ressurreição é o encontro com o ressuscitado. E Jesus aparece, convive, esforça-Se por lhes mostrar que é Ele mesmo. E são esses que fizeram a experiência viva do encontro com Cristo ressuscitado que vão testemunhar que Ele está vivo. O texto dos Atos dos Apóstolos, proclamado nesta celebração, diz mesmo que Jesus apareceu àqueles que, previamente, tinha escolhido para darem testemunho. “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-se, não a todo o Povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele depois de ter ressuscitado dos mortos” (Act. 10,40-41). No caso da vocação de Paulo, a quem Jesus aparece na Estrada de Damasco, é claro que Cristo ressuscitado lhe aparece, porque o escolheu como testemunha da sua ressurreição. Deus diz a Ananias: vai ter como ele, “porque este homem é um instrumento de minha escolha para levar o meu nome aos pagãos” (Act. 9,15).

Este é o dinamismo constitutivo da Igreja. Aceitar a ressurreição de Cristo não é fruto de uma demonstração, mas do testemunho vivo de quem encontrou o ressuscitado. E tem sido assim ao longo de 2000 anos. Acreditar no testemunho de quem acredita porque experimentou, embora o não possa provar. E Jesus elogia aqueles que acreditaram só pelo testemunho. A São Tomé observa: “Porque me viste, acreditaste. Bem-aventurados aqueles que acreditarão sem terem visto” (Jo. 20,29).

Este testemunho é, antes de mais, o da Igreja, a quem o Senhor fez sempre sentir a sua presença, sobretudo através da sua Palavra e da Eucaristia. A fé na ressurreição de Cristo é a fé da Igreja. A nova evangelização precisa de testemunhos, que tenham experimentado, na fé, a presença viva de Cristo vivo. Hoje glorioso no céu, Cristo ressuscitado está vivo na Igreja e continua a percorrer os caminhos do mundo à procura de corações que O recebam e se abram ao seu amor. Como no princípio, esses são certamente aqueles que, de antemão, Ele escolheu para darem testemunho.

3. A fé em Cristo ressuscitado muda completamente a nossa vida. É que Ele não é apenas um morto que, por milagre, regressou á vida, como aconteceu a Lázaro, ao filho da viúva de Naim ou à filha de Jairo. N’Ele irrompeu a “nova vida”, que rasga horizontes novos para a vida humana. Esta diferença, manifesta-a o Senhor quando nos comunica o Espírito Santo, amor que tudo transforma. No ressuscitado inaugurou-se, já neste mundo, a “vida eterna”, para Ele e para nós. Para São Paulo isso é claro: uma revolução na compreensão da vida começou. “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às coisas da terra. Porque vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col. 3,1-4). Afeiçoar-se às coisas do alto não significa desprezar as realidades de todos os dias. Significa poder vivê-las com coragem, com esperança, dando-lhes o valor que têm, não as considerar definitivas. Na dureza ou na beleza da vida deste mundo, encontrar a força que nos faz desejar as realidades definitivas.

Celebramos esta Páscoa num momento duro para muitos portugueses. Se acreditarmos que Cristo está vivo, teremos força para tudo superar, as dificuldades não nos impedem de desejar, e o Espírito Santo dar-nos-á força para lutar e a coragem de esperar. O amor dos irmãos, que é caridade, tem de ser o grande testemunho de que vivemos este momento com o Senhor vivo, na certeza de que Ele está connosco.

Sé Patriarcal, 24 de abril de 2011

D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca

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