Lei de 1911 e sua aplicação continua a dividir historiadores, mas a diferenciação de domínios é hoje pacífica
Lisboa, 20 abr 2011 (Ecclesia) – A Lei da Separação do Estado das Igrejas, assinada em 20 de abril de 1911, permanece hoje como um dos documentos mais controversos e discutidos da I República, dividindo historiadores sobre o seu objetivo e consequências.
O segundo artigo dos 196 que compunham o decreto legislativo do governo provisório assinala que “a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas”.
Outros artigos, contudo, apresentam restrições à liberdade religiosa e condicionam a organização das confissões, além de limitar o direito à propriedade eclesiástica.
No congresso internacional promovido na última semana, pela Universidade Católica Portuguesa, a respeito do tema da separação, o bispo do Porto, D. Manuel Clemente, recordava que “a separação era apresentada por alguns e até desejada por muitos como distanciação mútua dos domínios da convicção individual e da premência pública, abrindo assim o campo inteiro às escolhas de cada qual”.
“Por aí se caminhou, como se caminha um século depois. Tanto, que para alguns ainda é difícil compreender como houve hesitações neste ponto, quer por parte da hierarquia católica quer por parte de muitos crentes, mesmo os inseridos no sistema constitucional e na vida social da altura”, acrescentava.
O padre João Seabra, autor da tese «O Estado e a Igreja em Portugal no início do século XX – A Lei da Separação de 1911», escreve que “a liberdade religiosa em Portugal não começou com a Lei da Separação, mas contra a Lei da Separação”.
Luís Salgado de Matos, que assina a obra «A Separação do Estado e da Igreja. Concórdia e conflito entre a Primeira República e o Catolicismo», considera, por seu lado, que “a separação não foi querida nem pela Igreja Católica nem pelo Estado. Uma vez iniciada, ultrapassou-os, obrigou-os a aplicarem estratégias de luta, dividiu-os a ambos, e reformulou-os em termos que, à partida, nem um nem outro tinham imaginado”.
À Lei da Separação viriam a reagir os bispos portugueses com um protesto coletivo, de 6 de maio, no qual deixavam uma clara condenação: “Resume-se todo [o decreto] em quatro palavras: injustiça, opressão, espoliação, ludíbrio”.
Pio X, o Papa de então, publica nesse mesmo mês a encíclica «Iamdudum in Lusitania», na qual aponta o dedo à “inacreditável série de excessos e crimes que foram perpretados em Portugal pela opressão da Igreja”.
“O caráter absurdo e monstruoso do decreto de que falamos fica claro pelo facto de proclamar e determinar que a Igreja não terá qualquer religião, como se os homens, individualmente e em qualquer associação ou nação, não dependessem daquele que é o criador de todas as coisas”.
Na edição especial do semanário Agência ECCLESIA para o Centenário da República, Sérgio Ribeiro Pinto, investigador do Centro de Estudos de História Religiosa da UCP, assinala que “a mudança de pontificado [Bento XV], a participação portuguesa na Grande Guerra – com a presença de capelães militares, exigência do episcopado num esforço de – e os acontecimentos de Fátima foram pontuando a lenta mudança de clima social no que concerne aos aspetos religiosos, alteração consumada com a modificação da Lei de Separação durante o período sidonista, com a promulgação do «Decreto Moura Pinto»[1918] e o restabelecimento das relações diplomáticas”.
OC