Cinema: «Budapeste» – um estranho de si

Costa – José Costa, brasileiro, ganha a vida a escrever romances por conta de outrém, permanecendo no anonimato.

Esvaziado pelo uso e abuso de uma gramática que não lhe pertence, em histórias que conta e reconta mas não são suas, José olha em sua volta e descobre-se um estranho de si mesmo: uma mulher que o desconhece, um filho com quem não comunica, uma pele que não sente.

Esgotada a inspiração que desenfreadamente procurou, enceta então uma demanda em busca de significados, tomando por destino Budapeste. A cidade que conheceu de forma breve em certa escala forçada. O país cuja total impercepção da língua lhe despertou a curiosidade. A terra cuja história brota da verve incógnita de Gesta Hungarorum, o manuscrito assinado no séc. XIII por um fiel servo do monarca Bela III, também ele mantido no anonimato e a quem importava ,não o reconhecimento da sua arte literária mas a forma como as suas palavras tocavam as pessoas.

“Budapeste” é uma ode cinematográfica à palavra e ao poder criador que esta encerra – ou desvenda! –, nascendo das inspirações combinadas de um músico e de um fotógrafo. Entre um e outro, a maior força inspiradora provém, de forma bastante evidente, do músico Chico Buarque, a quem os nossos ouvidos há tanto agradecem a extraordinária capacidade de entretecer palavra e melodia.

Sobre a teia construída por Buarque, dos encontros e desencontros do protagonista consigo mesmo, a sua língua e a sua natureza criadora, o realizador Walter Carvalho, destacado no cinema pela sua longa carreira como director de fotografia (“Central do Brasil”, “Carandiru”, “O Céu de Suely”) tenta uma narrativa ilustrativa da duplicidade de José Costa, nessas suas idas e vindas mais e menos simbólicas de Budapeste. Uma espécie de jogo de identificação em que vamos descobrindo como forma e conteúdo, signo e símbolo podem, ou não, construir a nossa identidade.

Um percurso nada linear e, menos ainda, fácil que, se na versão escrita arrisca alguma confusão, na versão cinematográfica assume um tom demasiado simplista e ilustrativo, como provável tentativa de simplificar o retorcimento do enredo original.

Margarida Ataíde

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