Natal: uma esperança difícil
A época natalícia cria sempre um ambiente de boa vontade e de esperança. Nestes tempos difíceis de crise que vivemos, alguém perguntará: ainda é possível celebrar o Natal, na alegria da esperança?
É precisamente, em tempos conturbados e de incerteza, que os profetas do Antigo Testamento acenderam uma luz de esperança, com a promessa do Messias-Salvador, que viria renovar a humanidade. Quer dizer, tornar possível o Reino de Deus na terra: Reino de Verdade e de Justiça, de Amor e de Paz. Já presente e actuante no mundo. Mas sempre a construir.
Para aqueles que andavam nas trevas, «uma grande luz… começou a brilhar» – vaticina o profeta Isaías, num dos momentos mais difíceis da história de Israel. É que, quando se adensam as trevas e a noite está adiantada, é que está prestes a surgir a aurora (cf. Rm 13, 12).
1. É, pois, uma mensagem de esperança, que nos vem da gruta de Belém. Mesmo nas circunstâncias actuais e muito mais neste momento de crise, o Natal de Jesus é a festa da esperança por excelência. Uma esperança difícil. Mas possível. E necessária. Para podermos enfrentar as dificuldades do presente e construir um futuro melhor. Com a certeza de o alcançar.
Efectivamente, a fé cristã é esperança, na medida em que é «a garantia do que se espera e a certeza do que não se vê» (Heb 11, 1). Explica S. Paulo: «De facto, já estamos salvos, mas em esperança. Quando se vê aquilo que se espera, então já não é esperança. Pois como é que alguém espera aquilo que já está a ver? Mas se nós esperamos aquilo que ainda não vemos, esperamo-lo com paciência» (Rm 8, 24-25).
O que não significa resignação, mas sim perseverança no empenho, capacidade de entrega e de sacrifício. É saber esperar como o agricultor, que, depois de amanhar a terra e de semear, espera com paciência o precioso fruto da terra (cf. Tgo 5, 7). Dando tempo ao tempo.
É assim a esperança cristã: certeza de alcançar a meta, olhando a vida e a história com confiança.
2. Por mais sombrio e incerto que se apresente o futuro e por mais difícil que seja o presente, nós cristãos temos de saber dar razão da esperança, que nos anima (cf. 1 Ped 3, 15). Não apenas por palavras, mas também e, sobretudo, por obras, comprometendo-nos no presente.
O Papa Bento XVI explica isso muito bem, quando afirma: «O presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta, se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho… A mensagem cristã não é só “informativa”: é “performativa”. Significa isto que o Evangelho não é apenas comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação, que gera factos e muda a vida» (Bento XVI, Spe Salvi, nº 2).
Do Evangelho de Jesus não se podem deduzir respostas e soluções unívocas, do ponto de vista sócio-económico e político. Mas nem tudo se coaduna com a mensagem evangélica. A equidistância da Igreja em relação às propostas políticas não pode significar neutralidade. Há princípios e critérios na Doutrina Social da Igreja, que, se tomados a sério, fazem toda a diferença. Pensemos, por exemplo, na solidariedade, que «não é um sentimento de vaga compaixão… Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum» (Chfl 42), que é por definição o bem de todos.
3. Neste momento de crise, há uma solidariedade de proximidade, que deve ser posta em prática. As situações de emergência social devem encontrar respostas imediatas. Mas não basta a ajuda material. É preciso sempre “a caridade na verdade” (cf. Bento XVI), que procura actuar nas causas da pobreza e das desigualdades sociais. Por isso, os sacrifícios das medidas de austeridade têm de ser equitativamente distribuídos por todos. Por outro lado, deve-se promover sempre a pessoa humana, na sua dignidade e apoiar o desenvolvimento local.
«A actual crise económica (…) deve ser considerada seriamente: deriva de várias causas e exige uma profunda revisão do modelo de desenvolvimento económico global…» – afirmava recentemente o Papa. E concluía, apelando a uma «clara consciência ética», ao «desenvolvimento sustentável» e ao «relançamento da agricultura», combatendo «a persistência do desequilíbrio entre riqueza e pobreza, o escândalo da fome, a urgência ecológica e o crescente problema generalizado do desemprego» (Bento XVI, Angelus, 14 de Novembro de 2010).
4. Tudo isto não é possível sem “espiritualidade”, que implica mudança de mentalidade e de estilo de vida, com maior sobriedade e partilha efectiva de bens. Afirmava, há anos, um autor famoso: «o século XXI, ou será “místico”, ou não será». Quer dizer, são tão grandes os desafios que aí vêm, que não se poderão encontrar respostas humanas adequadas, sem espiritualidade. É que não basta mudar estruturas. É preciso mudar o coração, sem o que o mundo não melhora.
Ora, a Encarnação de Deus, que celebramos no Natal, introduziu na história humana, uma semente de mudança irreversível. No Menino de Belém, já começou o futuro da humanidade. Por isso é Natal.
Bom Natal a todos! Na esperança, que nos vem da gruta de Belém: uma esperança certa e activa, que nos compromete, aqui e agora.
+ António, Bispo de Angra