Natal em Pökot – Quénia: tão diferente e tão autêntico

Padre Filipe Resende, missionário português, relata experiências na primeira pessoa

Vivo com o povo Pökot desde 2008, pastores seminómadas no noroeste do Quénia, junto à fronteira com o Uganda. Aqui vivo o mesmo Natal mas com muitíssimas expressões distintas. E nem por isso deixa de ser Natal…

Natal-celebração “estranha” à cultura Pökot

Na língua Pökot não há a palavra Natal. Simplesmente se adaptou a palavra em língua swahili – Krismasi, que deriva do inglês Christmas. Isto mostra bem como é “estrangeiro” o conceito de Natal entre o povo Pökot.

Porém, por aqui, também o Natal é tempo de celebrações. Certamente: sem bacalhau, doces, frio, árvores de Natal, ou sem presépios para além daquele da igreja da missão. Também não há a tradição das luzinhas nas montras enfeitadas. Não há montras. Não se vê sacos carregados com prendas de Natal. Não somos enchar-cados com publicidade natalícia; a televisão e a rádio são comodidades acessíveis a muito poucos.

Alguém poderá perguntar: mas sem tudo isso é possível haver Natal? Mas é obvio que sim…

Natal que marca a passagem de Deus

Já vivi vários anos o Natal no Quénia. De 1997 a 2002 estudei aqui Teologia. Porém, desde o meu regresso em finais 2008, o Natal de 2009 foi para mim, como missionário, um Natal especial: baptizei pela primeira vez em África crianças até aos 5 anos. Esta experiência mostrou-me de um modo diferente o significado do Natal. E o que é que foi diferente? Provavelmente para muitos nada foi diferente. São baptismos todos eles afinal de contas…

Mas se pensar que para as crianças que baptizei tenha sido a primeira vez que viram um sacerdote, talvez comecemos a ver algumas diferenças. Se pensar ainda que todos estes baptismos foram celebrados no meio de comunidades onde a maioria das pessoas não são sequer baptizados, estes momentos obtém ainda mais significado. Pensando ainda que estas crianças pertencem somente à 2ª ou 3ª geração de cristãos em terras Pökot, a importância ganha ainda mais sentido. Pensar, por fim, que algumas destas crianças talvez não cheguem à idade adulta devido à alta taxa de mortalidade infantil neste cantinho da África, faz-me sentir um privilegiado poder ser um instrumento da graça de Deus para estas crianças e suas famílias.

Para a maioria destas crianças, são as mães as grandes interessadas em baptizar os filhos. Os pais, em raros casos bapti-zados eles próprios, geralmente deixam a educação dos filhos entregue às mães. Há excepções. Com certeza que sim! E começam a ser cada vez mais, pouco a pouco.

Natal: Jesus que nasce humilde e timidamente

Viver o Natal assim ajuda-me a entender melhor o seu verdadeiro significado: Jesus, o próprio Filho de Deus, nasce em cada um de nós de uma forma humilde, pobre e tímida. Ao mesmo tempo nasce com uma potencialidade e grandiosidade de encher a Vida de uma forma tremenda e imensa.

Humildes e pobres são as capelas onde celebramos os baptismos. Somos nós a prover um pouco de luz com um sistema portátil de energia ad hoc a partir de uma bateria. A celebração da missa, sem os cerimoniais de incenso, não fica nada atrás da explosão de alegria dos cânticos tradicionais em línguas locais, cantados por todos em várias vozes e sem horas e horas de ensaios… é-lhes natural e espontâneo! Celebrações onde não há relógios, pressas ou “outros afazeres” mais importantes do que este: deixar a alegria do nascimento de Jesus encher a vida tão simples e pobre de todos.

A alegria do rosto daqueles pais que veem o seu filhote ser baptizado é o melhor presente que jamais pude receber. É reconhecer que Deus cresce e entra no meio deste povo, na sua cultura, na sua fé, no seu dia a dia, desta forma humilde, sem grandes ruídos, na simplicidade, na pobreza aparente de uma criança.

Uma carícia sacramental…

Um momento caricato e engraçado na celebração de Natal do ano passado foi o facto de duas das crianças que baptizei não pararem de chorar e berrar sempre que me aproximava para administrar os óleos santos e o sinal da cruz. Até que compreendi a razão. Os paramentos deste dia eram brancos daí que eu estava todo vestido de branco. Estas 2 crianças confundiram-me, nem mais nem menos, com o enfermeiro do dispensário local. E com razão choravam! É que o que esse homem de branco lhes tinha feito tinha sido somente dar-lhes injecções que fazem doer! E assim fui confundido com o enfermeiro… finalmente acabaram por já não temer a minha proximidade depois de várias tentativas. Peripécias da vida missionária!

Pe. Filipe Resende, MCCJ, Missionário Comboniano no Quénia

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Agência ECCLESIA

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